Uma emenda a um projeto de lei que tramita na Assembleia Legislativa de São Paulo quer proibir a oferta de terapia hormonal a crianças e adolescentes transexuais menores de 18 anos e a cirurgia de redesignação sexual a menores de 21 anos pelas redes pública e privada.
A medida foi proposta pela deputada Janaina Paschoal (PSL) como emenda a um projeto da deputada Erica Malunguinho (PSOL), primeira mulher transexual da Assembleia Legislativa de São Paulo.
O projeto de lei institui um programa estadual que trata de questões de saúde da comunidade LBGTI+. Está na Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Alesp. Caso aprovado, passará ainda por duas comissões até que seja votado em plenário. Se o requerimento de urgência for aprovado, a proposição segue direto para o plenário. A emenda tramita junto ao projeto.
Para Malunguinho, a emenda de Paschoal vai na contramão da posição de especialistas e organizações sobre o assunto e reflete uma posição autoritária. Ela diz que pode resultar em danos, como uma marginalização da população transexual e mais automedicação na clandestina.
— Estamos fazendo de tudo internamente para que (o projeto) não seja prejudicado por um discurso baseado no senso comum, uma vez que já existem muitas elaborações, discussões e pareceres importantes sobre o tema— alega a deputada.
As alterações propostas por Paschoal ao projeto da colega causam impacto direto nas atividades de dois ambulatórios estaduais, um ligado ao Hospital das Clínicas da USP de São Paulo e outro da Unicamp, que acompanham crianças e adolescentes trans. Há um terceiro serviço no país, ligado à UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e ao Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Criado em 2010, o ambulatório do HC acompanha hoje 85 crianças e 180 adolescentes. Há uma fila para triagem de mais 140 interessados. As famílias também são acompanhadas, e o grupo realiza orientações em escolas e abrigos. O trabalho se baseia em experiências holandesas e norte-americanas de mais de 20 anos.
— Não fazemos diagnóstico apenas pelo comportamento expresso das crianças e adolescentes, mas, principalmente, pelas certezas internas que elas têm. Ninguém coloca nada na cabeça delas. Às vezes, o diagnóstico demora oito anos, dez anos para ser concluído, para termos a certeza de que não se trata de uma situação transitória —, afirma o psiquiatra Alexandre Saadeh, coordenador do ambulatório do HC.
A deputada Janaína Paschoal afirmou à Folha de S.Paulo que o bloqueio hormonal pode tirar da criança a chance de se reconciliar com seu sexo biológico.
Segundo Saadeh, o uso de bloqueadores em crianças menores de dez anos pode ocorrer apenas para aquelas que já estão entrando em puberdade, fase que gera angústia, depressão, isolamento e afastamento escolar.
— Imagina (um menino trans) menstruando e desenvolvendo mama. A idade de entrada na puberdade é pessoal, individualizada e depende de fatores biológicos e não cronológicos. Há crianças entrando na puberdade aos oito anos.
O médico diz que o bloqueio é totalmente reversível e só indicado para pré púberes, quando há quase certeza do diagnóstico:
— Com o bloqueio, ganhamos tempo para efetivar ou não esse diagnóstico. Já tivemos um caso de pré-adolescente que voltou atrás e o tratamento foi suspenso.