A expressão que viralizou em 2016 após ser usada para definir a esposa do então presidente Michel Temer – "bela, recatada e do lar" – está desatualizada. Ao menos a terceira parte – do lar – deixou de representar boa parte das mulheres brasileiras. Segundo série histórica do Datafolha, 19% da população se declarava dona de casa em 1993.
Na mais recente pesquisa Datafolha, feita em 4 e 5 de julho com 2.086 pessoas de 16 anos, essa parcela caiu para 7%. Há 26 anos, quando o instituto de pesquisa começou a medir a participação dos brasileiros na economia do país, duas em cada 10 pessoas declararam a ocupação como "do lar".
Para retratar a população, as sondagens costumam equilibrar os entrevistados por gênero – cerca de metade são homens, a outra parte reúne mulheres. Estatisticamente, no entanto, é insignificante a parcela masculina que responde ter como principal ocupação os afazeres domésticos.
Essa percepção de ocupação "do lar", vale lembrar, é apresentada pela própria entrevistada. Por exemplo, uma autodeclarada dona de casa pode vender produtos da Natura como bico, mas ver como sua ocupação principal a vida doméstica.
Para o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, há um motivo central para explicar o declínio: o envelhecimento desse segmento.
— As novas gerações já chegam à idade adulta tendo a necessidade e a motivação para pertencer à população economicamente ativa. A inserção da mulher como protagonista no mercado de trabalho leva também a mudanças atitudinais dentro de casa e na esfera profissional – diz ele.
E se vemos mais mulheres como chefes de família, diz Paulino, "me parece mais consequência dessa diminuição do que causa".
Um misto de necessidade e vontade fez com que a mulher deixasse de se apresentar como dona de casa, diz o economista da PUC-RJ José Márcio Camargo:
— A necessidade de complementar a renda familiar, o nível educacional mais elevado, a valorização social do trabalho fora de casa, a independência financeira, enfim, foi um grande conjunto de razões que pesou para a mudança. E essa tem sido a tendência no mundo inteiro. Não há nenhuma surpresa que seja assim no Brasil.
Vejamos o quadro nacional: no começo dos anos 1990, a parcela feminina no mercado de trabalho beirava os 35%; hoje já fica em torno de 45%.
Jornada dupla
O que se considera "a ampliação de oportunidades de trabalho que valorizam as habilidades das mulheres", porém, vem acompanhada da jornada dupla, que ainda é a realidade de muitas mulheres que se dividem entre a labuta doméstica e o expediente fora de casa, afirma Paula Montagner, economista da Fundação Suede, ligada ao governo paulista.
— Elas combinam suas atividades no mundo do trabalho com o cuidado da casa e dos filhos — diz Paula.
Para constatar essa realidade, basta conferir um recorte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em abril: mulheres separam em média 21,3 horas semanais para cuidar da casa e de outras pessoas (como um filho), o dobro do tempo declarado pelos homens.