Há pelo menos sete anos, o casal Josiane e Marcelo Belloli tem de lidar com pedidos dos filhos, Evelin, 13 anos, e Eric, seis, para saírem sozinhos. As primeiras vezes foram com a garota, quando queria ir na casa das amigas. A situação hoje se repete com o irmão, que também quer ir às festinhas de aniversário ou visitar os colegas.
— Pela primeira vez, ele irá em um aniversário que é só para as crianças, em que eu não estarei junto. Estou com o coração na mão, mas permiti porque conheço a mãe (do amigo) — conta a dona de casa Josiane, 32 anos.
Se com esse tipo de situação eles já tinham experiência, agora os Belloli têm de lidar com as saídas noturnas da adolescente. No 8º ano do Ensino Fundamental, Evelin está na fase das chamadas “sociais” (em que a turma de amigos se reúne na casa de um deles) ou então de pedir para dormir em uma amiga. Os pais estabeleceram uma combinação.
— Acontece bastante de a Evelin pedir. A gente procura sempre conhecer os pais das colegas primeiro, para depois permitir que ela durma fora ou vá a alguma festinha — diz Marcelo, 37 anos. — Nós acabamos deixando, mas não é sempre. Conversamos bastante com ela. O nosso combinado é que ela pode sair uma vez por mês.
Nessas saídas, o pai faz questão de levar e buscar. Assim, assegura que a filha volte no horário acertado e em segurança. Já para a escola, distante cerca de um quilômetro do apartamento onde moram, no bairro Sarandi, zona norte de Porto Alegre, Evelin e Eric vão e voltam de transporte pago. Como Marcelo trabalha no Centro, como servidor público do Estado, não consegue cuidar do deslocamento dos dois. Não há impeditivo para os passeios escolares, pois há uma relação de confiança com a agência parceira do colégio.
— Eles fazem reuniões conosco, mostram o local e a gente vê tudo ao vivo, porque fazem live pelo Facebook. Então, sabemos que eles estão seguros. Sempre fomos bem flexíveis, porque confiamos na escola e nessas pessoas que organizam os passeios — ressalta Josiane.
O que também ajuda, segundo o casal, é conversar com os pais dos amigos mais próximos para saber se os filhos vão participar da atividade.
O exemplo da irmã e o assunto namoro
Pela idade, Evelin tem mais liberdade do que Eric, que se espelha na irmã.
— Ele pede para ir nos amigos, porque vê que a Evelin vai. Como o Eric é muito novo, ainda não deixo ficar saindo — relata a mãe. — Mas ele tem a autonomia dele, faz o próprio lanche, toma a iniciativa de aprender a ler.
O assunto namoro ainda é observado como algo distante para os pais. Eles salientam que Evelin é focada nos estudos, já que sonha cursar Medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Marcelo até mesmo brinca com a possibilidade de receber um namorado da filha em casa:
— Não vejo nenhum problema se for um colega da UFRGS. Com 19 pra 20 anos, eu aceito numa boa.
A idade da independência
Quando deixa, tem de dizer por que deixa. Mas quando acha que não pode, precisa explicar o motivo. Isso é educativo. Os pais têm de mostrar que são eles que comandam, e não o contrário. Não importa se fulano pode. Limite também é uma forma de amor”
AIDÊ KNIJNIK WAINBERG
Psicóloga
Semelhanças e diferenças à parte em relação às situações vividas por Josiane e Marcelo, você em algum momento vai se perguntar: meu filho já está pronto para sair sozinho? E essa dúvida se repetirá por muitos anos, em momentos distintos.
As especialistas entrevistadas por GaúchaZH dizem que não há idade certa para a independentização. Varia de acordo com cada um, com a família e com as próprias habilidades cognitivas de meninos e meninas. Mas existem sinais de que a criança ou o adolescente está pronto para o próximo passo.
Ir sozinho para a escola
Conforme a psicóloga e educadora parental Bianca Stock, essa questão está relacionada à construção de autonomia que cada criança adquire em sua vida diária.
— Está ligado a questões de fazer as coisas sozinhos, de limpar o bumbum, de se servir sozinho, aprender a escovar os dentes, a fazer o próprio lanche. Claro, com supervisão dos pais, mas não fazer por eles. As crianças precisam criar as suas próprias hipóteses sobre a vida — diz Bianca.
O importante, segundo a psicóloga Aidê Knijnik Wainberg, é os pais observarem se a criança já tem algum senso crítico e noção de perigo para conseguir atravessar a rua e não se deixar levar por estranhos.
— Tem que olhar para a criança e ver como ela lida com a vida. Cumpre as obrigações? Não se atrasa? Fala a verdade? Faz as tarefas? Lida com suas responsabilidades? Se ela faz essas coisas, é sinal de que está pronta — destaca Aidê.
Passeios escolares
Alguns pais não permitem que seus filhos saiam sem sua presença nem mesmo nos passeios pedagógicos. Para as especialistas, essa é uma questão de confiança – os pais devem acreditar no que os educadores têm a oferecer nas atividades extraclasse.
— O permitir não é pelo lazer, mas pelo aprendizado. Aula não ocorre só na sala de aula. Pais que não permitem que os filhos participem desses passeios não confiam no ambiente escolar e não entendem a proposta educacional. Particularmente, acho muito importante para os pequenos, porque vão estar com os amigos, desenvolvendo a sua autonomia. Precisarão levar dinheiro para a merenda, já vão começar a observar como funciona a saída de casa sem a família — avalia Maria Isabel Wendling.
Bianca Stock complementa:
— As consequência disso vemos muito no vestibular. A gente pergunta aos adolescentes o que querem e muitas vezes eles não sabem, porque os pais escolheram tudo por eles.
Dormir na casa do amigo
O primeiro ponto é deixar que o filho peça para dormir fora. Essa iniciativa deve partir da criança. Conforme Aidê Knijnik Wainberg, é comum que ela peça para voltar. Uma tentativa de saber se o pequeno está pronto é ver se consegue ir ao banheiro e se limpar sozinho, se escova os dentes sem ajuda e se não tem vergonha de dizer que está com frio ou com fome. A psicóloga também dá uma dica:
— É importante é que eles levem um suporte emocional. Um travesseiro ou o brinquedo preferido, que seja a referência da casa dele. Se usa bico, deixa levar. Também é importante que as famílias se conversem, falem dos hábitos. Se antes de dormir precisa de alguma coisa, de luz acesa, por exemplo. É uma situação nova, e os pais precisam manter a calma, porque isso passa para a criança.
A hora do namoro
Para Bianca Stock, essa é uma questão que apenas os pais poderão responder aos filhos:
— Há algumas regras que vão variar de família para família, como namorar em casa. E isso precisa ser respeitado. Os adolescentes têm de lidar com “na casa do fulano pode, na minha não”.
Aidê Knijnik Wainberg acrescenta:
— Tem uma questão de bom senso. É sempre melhor que faça dentro de casa do que na rua. Se acharem que é uma pessoa adequada, terão de aceitar. E hoje tem a questão de parceiros do mesmo sexo, e isso apavora muitos pais. Isso não significa que o filho é homossexual. Eles estão experimentando, e repreender não leva a nada. Relacionamentos nessa idade são efêmeros, rápidos. Os pais precisam conversar com os filhos sobre sexo, isso não pode ser tabu.
Nas festas
Para a psicóloga Aidê Knijnik Wainberg, é importante nesse tipo de situação que os pais conheçam os seus filhos. Eles precisam avaliar se o adolescente já tem condição de ficar em um ambiente diferente daquele em que está acostumado, ainda mais com a possibilidade de existir álcool ou outras drogas.
— Quando deixa, tem que dizer por que deixa. Mas quando acha que não pode, precisa explicar o motivo pelo qual não está deixando. Isso é educativo. Os pais têm que mostrar que são eles que comandam, e não o contrário. Não importa se fulano pode. Limite também é uma forma de amor — ressalta.
A psicóloga e educadora parental Bianca Stock considera essencial que, ao menos nas primeiras saídas, os pais levem e busquem os filhos às festas. Isso é importante para saber que ele está indo direto para o local indicado e que voltará daquele mesmo lugar, sem que haja possibilidade de desvio.
— Confiar que um adolescente não vai participar de um “esquenta” é uma posição negligente. Tem pais que deixam voltarem de aplicativo, por exemplo. É um risco, por não saber a hora, com quem e de onde está vindo — entende Bianca.
Horário para a volta
Essa é uma questão fundamental. Impor limites é importante até mesmo para saber se os filhos cumprem ou não as regras impostas pela família. De acordo com Maria Isabel Wendling, dar limite é educativo.
— Principalmente quando começam a sair, é importante essa determinação de horário para a volta. Cada família tem uma forma de fazer isso, mas essa combinação precisa ser obedecida — opina e terapeuta de família.
Entre a superproteção e o liberalismo
Na opinião das especialistas, os pais vêm transitando entre esses dois extremos. O ideal, claro, é o meio termo. Maria Isabel Wendling recomenda:
— Entendo que existem pais superprotetores, famílias que têm mais receios de violência, mas isso muitas vezes acaba desprotegendo, porque é a criança que não desenvolve confiança nos outros e em si mesma. Por outro lado, existem pais extremamente liberais, o que não é positivo para o crescimento saudável. As crianças precisam de limites, com afeto, nunca com violência. Elas precisam entender as regras de convivência, os valores daquela família. É importante que os pais sejam presentes, mas não sufoquem. Ajudem, mas não resolvam tudo para o filho. O ideal é dar limites com afeto.