Agora é definitivo: a escultura secular de uma deusa africana, a primeira a ser encontrada no Brasil, se tornou bem móvel da prefeitura de Santo Ângelo, cidade onde ela foi descoberta. A decisão pelo tombamento da peça de madeira de 46,4cm e 3,70kg foi assinada pelo prefeito Jacques Gonçalves Barbosa e publicada no Diário Oficial dos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul, na quarta-feira (26). Segundo o próprio documento, o tombamento partiu de uma solicitação do Ministério Público Federal, realizada em novembro de 2018.
Em setembro de 2018, GaúchaZH apresentou a descoberta feita pelo coordenador do Núcleo de Estudos em Cultura Afro-Brasileira e Indígena (Neabi) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Édison Hüttner, depois de uma pesquisa que durou dois anos. A Deusa Nimba é a primeira a ser encontrada no Brasil e tem ligação com a tradição religiosa cultuada pelas etnias Baga e Nalu, presentes nas repúblicas da Guiné e da Guiné-Bissau desde o século 15 e que chegaram ao Rio Grande do Sul no século 17.
Ainda conforme a publicação no Diário Oficial, o Poder Executivo, por meio da Secretaria Geral, registrará a inscrição em livro próprio e a Deusa Nimba passará a integrar o Patrimônio Histórico e Cultural do Município. Entre novembro do ano passado e fevereiro deste ano, ela ficou em exposição no Museu Municipal Dr. José Olavo Machado. De acordo com a presidente do Conselho Municipal de Patrimônio Arqueológico, Histórico e Cultural de Santo Ângelo, Thalis Daiani Paz Garcia, o próximo passo será definir o destino da escultura.
Antes da descoberta, a escultura estava na casa de um colecionador de artigos missioneiros, o comerciante Getúlio de Lima, em Santo Ângelo. Admirador do trabalho de Hüttner, ele o convidou para conhecer a coleção particular. Porém, quando os dois entraram na sala, o pesquisador avistou na estante a pequena imagem se diferenciando das demais e foi direto a ela. Na mesma hora, pediu o consentimento para estudá-la. Getúlio, que comprara a estátua no início da década de 1980, cedeu o objeto para a pesquisa.
Ela havia sido encontrada por um pescador no rio Ijuí, cerca de dez anos antes, quando houve uma grande seca na região que fez o leito surgir próximo a um conjunto de ilhas no Rincão dos Mendes. Como o pescador sabia do interesse de Getúlio por obras diferenciadas, ofereceu-a ao comerciante.
Para confirmar que tratava-se de um achado único, o pesquisador reuniu fotos de estátuas semelhantes expostas em museus de Paris e Nova York, livros de história, relatos históricos realizados em outros países, analisou cada detalhe da estátua e a submeteu a uma tomografia no Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (Incer), certificando-se de que a imagem era maciça. Ele ainda convidou o pesquisador Éder Abreu Hüttner, seu irmão, e o coordenador do laboratório de Arqueologia da Pucrs, Klaus Hilbert, para atuarem no estudo.
Segundo Hüttner, cada Nimba é uma peça única, com características que revelam a originalidade, a mão do artista e seu contexto. Nimbas com mais de 1 metro de altura servem como máscara de ombro para serem vestidas e usadas nos rituais. As Nimbas médias e pequenas servem para serem cultuadas. No caso da encontrada no Estado, trata-se de uma estátua esculpida por um artista local que conhecia a tradição dos povos Baga ou Nalu da Guiné e usou um tronco único de madeira para formatá-la.
A partir do tombamento pela prefeitura de Santo Ângelo, ela não poderá ser restaurada sem solicitação prévia e expressa autorização do Conselho Municipal de Patrimônio Arqueológico, Histórico e Cultural de Santo Ângelo.