Os parcos avanços obtidos em relação à venda e à liberação de consumo de bebida alcoólica sofrerão um retrocesso. Esta é a opinião do psiquiatra Flavio Pechansky, diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas de Porto alegre (HCPA), quanto à aprovação, nesta terça-feira (18), pela Assembleia Legislativa, do projeto que libera a comercialização de álcool em estádios de futebol no Rio Grande do Sul.
De autoria dos deputados pedetistas Gilmar Sossela e Ciro Simoni, o texto, que permite aos torcedores adquirir e ingerir álcool até o intervalo e após o final das partidas, aguarda agora o veto ou a sanção do governador – o atual, José Ivo Sartori (MDB), ou o eleito, Eduardo Leite (PSDB). Poderá ocorrer também promulgação da lei pelo Legislativo, caso os mandatários não se pronunciem sobre o tema.
Segundo Pechansky, cada indivíduo metaboliza o álcool de uma maneira e tem uma personalidade distinta. Esses elementos, adicionados ao "caldeirão" em que se transforma um estádio de futebol repleto de torcedores – especialmente se for para assistir a um embate decisivo, com maior potencial de desestabilizar os ânimos –, podem fazer com que inclusive uma pessoa calma e organizada no dia a dia se transforme de maneira muito marcante. É um comportamento generalizado: todos se alteram ao consumir bebida alcoólica.
– O elemento multidão dilui a individualidade. Se você temperar com etanol, é só aguardar que as coisas vão pegar fogo – diz o médico. – A liberação da venda é negativa. Todas as ações que se conseguem contra a redução ou a inibição de comportamento inapropriado causado por bebida alcoólica estão na linha de redução e organização do consumo, e não na liberação – completa.
O especialista avalia que o cenário atual – a comercialização está proibida desde abril de 2008 – é bom dentro das dependências dos estádios, mas continua muito problemático no entorno desses locais. Há uma grande concentração de pontos de venda de bebida, destaca Pechansky – um número que, acredita ele, seria bem menor caso não existisse o veto para os torcedores ao passar pelas catracas. Aliada à continuidade da proibição de venda e consumo nos estádios, a melhor medida possível, na opinião do psiquiatra, seria a redução do comércio nos arredores dos campos de futebol.
– O álcool contribui para o aumento da violência, alterando nossa capacidade de juízo crítico e de medir impulsos e ações. É como beber e dirigir – define.
Sérgio de Paula Ramos, psiquiatra, psicanalista e especialista em dependência química, classifica a iniciativa dos legisladores como "descabida" e "afrontosa à saúde pública":
– Só se pode concluir que tenha havido a expressão de um lobby da indústria do álcool, da publicidade, da televisão. É importante saber o que está por trás. A indústria do álcool quer que as pessoas bebam no estádio para se disseminar a imagem de que não existe entretenimento possível sem álcool. É tão absurda a ideia e são tão transparentes as razões para se opor a ela que só se pode pensar em poder econômico.
Ramos também ressalta o risco para o aumento do comportamento agressivo, dentro e fora dos estádios, citando como exemplo episódios de apedrejamento de coletivos e depredações.
– O Rio Grande do Sul não suporta mais violência. Se o Estado quer se opor à violência, não tem cabimento liberar uma lei que fomente a violência.
Quanto ao período de pausa nas vendas previsto no projeto apreciado pelos parlamentares – o comércio só estaria liberado até o intervalo e depois do final da partida, mas não durante o segundo tempo –, trata-se, para Pechansky, de uma medida inútil:
– Não faz diferença. O indivíduo não vai se "desalcoolizar" durante o segundo tempo do jogo. Como não temos a cultura e a lei de que não se pode vender bebida a quem já está alcoolizado, não há como controlar.