Nas mãos de Laura Borges Rabello, 12 anos, está seu primeiro celular. O smartphone a acompanha nas atividades rotineiras – é por ali que ela assiste a vídeos dos youtubers preferidos, conversa com amigos e fica em contato com a família durante o dia. A decisão de dar a Laura o dispositivo partiu da mãe, Ana Paula Borges. Todos os colegas da filha já tinham o seu e, como sobrava um aparelho em casa, a garota ganhou o presente aos 10 anos. Mas Laura não tem total liberdade de uso: regras foram estabelecidas previamente para a mãe ficar tranquila em relação ao tipo de conteúdo acessado e ao tempo gasto com smartphone.
— A condição é que eu veja o que ela faz e conheça as senhas. No começo, ela usava mais para mensagens instantâneas, mas, neste ano, pediu para fazer perfil no Facebook. Deixei, mas a Laura só aceita alguém depois de me mostrar o perfil de quem enviou solicitação de amizade — afirma Ana Paula.
— Fico pouco tempo conectada. Não uso o celular em sala de aula, é mais no recreio mesmo e em casa, para assistir uns canais do YouTube que eu gosto e trocar mensagens — conta a menina, que pode utilizar o aparelho por duas horas diárias (e por meia hora no período de provas).
Celulares já fazem parte da vida dos nativos digitais – aqueles nascidos a partir de 1980. Segundo um levantamento TIC Kids Online Brasil 2017, divulgado neste ano pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação, 93% das crianças e adolescentes brasileiros acessaram a internet via mobile em 2017. É um crescimento significativo se comparado a 2012, quando 21% dos pequenos tinham esse comportamento.
Pais devem analisar capacidade da criança
Para Carolina Lisboa, professora da pós-graduação em Psicologia da PUCRS e especialista em cyberbullying, não há uma idade ideal para ter o próprio celular. Ela ressalta que é preciso levar em consideração que, quanto mais velha, maior a capacidade da criança de cuidar do aparelho e administrar o tempo de uso. Na opinião da especialista, cabe aos pais decidirem o momento certo.
— Os pais precisam analisar a capacidade da criança de gerenciar essa tecnologia. Além disso, é necessário pensar se ela tem maturidade emocional para utilizar de maneira saudável essa ferramenta. Cada família apresenta valores diferentes e é ela quem define se o filho consegue administrar as horas conectado sem atrapalhar o desempenho escolar, a interação social, a escrita à mão, a criatividade etc. — pondera Carolina.
A médica Viviane Salis, 41 anos, sempre acompanhou de perto as pesquisas e os usos que a filha Antônia Salis, 10 anos, fazia do tablet. Neste ano, a pequena tinha um passeio da escola, estava insegura por ficar longe da mãe e, por isso, ganhou o que foi chamado de celular da casa. Antes de entregá-lo à filha, Viviane explicou que o aparelho não era para jogos, mas, sim, para comunicação, para falar com a família e os colegas, para resolver os trabalhos escolares.
– Além disso, temos o acordo de que ela só pode ligar o celular na saída do colégio e que, assim como ela pode mexer no meu, eu posso mexer no dela. Minha ideia é protegê-la por meio do diálogo e da crítica construtiva para que aprenda a fazer um manuseio inteligente, seguro e consciente do aparelho – relata Viviane.
Educação digital é um trabalho conjunto
Para incentivar o diálogo saudável sobre o uso de celulares e com informações seguras, o Colégio Farroupilha, em Porto Alegre, desenvolveu o Guia de Segurança e Ética Digital. Ali foram compiladas dicas sobre a utilização adequada e cuidadosa de redes sociais por parte dos pais, educadores e estudantes para verificar a origem das informações e evitar constrangimento alheio, por exemplo.
Para Luciana Motta, psicóloga educacional da escola, a orientação do comportamento infantil no mundo digital deve ser feita de maneira complementar por professores e familiares:
– São papéis distintos, mas que se completam. Os pais precisam acompanhar de perto, definir limites e regras claras para o uso. A escola deve funcionar como um espaço de reflexão para os estudantes.
O Sindicato do Ensino Privado (Sinepe-RS) não tem uma orientação oficial sobre o tema, já que algumas escolas apresentam perfis mais tradicionais de ensino e outras incentivam e utilizam celulares no processo de aprendizagem. Por meio de nota, a entidade afirmou que respeita as diversas metodologias e tipos de projetos pedagógicos escolhidos por cada instituição de ensino sindicalizada.
Em nível estadual, a lei nº 12.884 proíbe a utilização de celular em salas de aula e reforça que os aparelhos devem ficar desligados enquanto as aulas são ministradas. Entretanto, a assessoria de imprensa da Secretaria Estadual da Educação afirma que essa lei precisa ser revista e atualizada devido às funcionalidades pedagógicas que a tecnologia apresenta.
Nas redes sociais, vigiar sem punir
Quando falamos em celulares, logo pensamos em redes sociais. Muitas plataformas exigem idade mínima para criar um perfil, mas essa é uma regra constantemente burlada pelas crianças e até desconhecida de muitos pais. Facebook, Instagram, Twitter, Snapchat e YouTube, por exemplo, permitem usuários que tenham 13 anos ou mais. Já o WhatsApp exige 16 anos em seus Termos de Serviço.
Para as psicólogas Carolina e Luciana, dialogar com as crianças é melhor do que proibir a presença delas na internet – a punição gera medo e inibe a aproximação entre pais e filhos, o que costuma piorar na adolescência. Viviane, mãe de Antônia, 10 anos, não acha necessário que a estudante tenha uma conta em redes sociais. Contudo, após o pedido da filha, deixou que ela criasse um perfil no Instagram, desde que mantivesse a conta fechada, seguisse regras e cuidados online e que todas suas atividades pudessem ser acompanhadas.
– Não adiciono pessoas que não conheço e não posto fotos do que faço durante o dia ou que mostram lugares onde estudo ou moro – relata a menina.
A estudante Laura Rabello, 12 anos, tem cuidado redobrado com o WhatsApp:
– As pessoas podem trocar de número e posso estar falando com quem não conheço. Fico atenta a isso e não atendo ligação de números que não estão salvos.
Ana Paula, mãe de Laura, afirma que seu papel é orientar a filha para que faça o que é certo e comunique quando algo fora da normalidade acontecer. Por isso, está sempre antenada ao que a menina faz no celular, não a deixa sozinha no quarto com o aparelho e participa dos encontros que a Escola Marista São Pedro, onde a garota estuda, promove sobre segurança na internet.
Cuidados com os excessos
O celular e suas diversas funções trazem muitos benefícios para aprendizagem de crianças: oferecem lazer, informação de qualidade e novos ensinamentos por meio de aplicativos de arte, edição de vídeos e fotos. Porém, o manuseio excessivo, somado a outros fatores, pode aumentar irritabilidade, falta de empatia, imediatismo e ansiedade, porque esses dispositivos superestimulam o cérebro. Ligue o alerta vermelho caso seu filho ou filha comece a deixar de lado a interação social ao vivo para preferir a virtual ou caso mostre sinais de falta de concentração e memória, avisa a psicóloga Luciana Motta.
A também psicóloga Carolina Lisboa afirma que é importante conversar e trazer exemplos de como deve ser o uso do celular, mas ressalta que as crianças são muito mais influenciadas pela ação do que pela palavra. É preciso evitar a mensagem dupla, ou seja, a dicotomia entre discurso e atitude. Se o responsável fica muitas horas do dia atento ao celular, o filho certamente fará o mesmo, porque sua figura de referência tem aquela atitude.
– Não há como criar os filhos em uma bolha, sem tecnologia. Crianças que moram em cidades urbanas e que têm acesso a esses bens estão vivendo essa nova era.
É praticamente utópico ficar sem celular até aos 15 anos, o mundo está permeado pela tecnologia. O que precisamos fazer é educá-las para um uso inteligente e que alerte para os riscos e vantagens de se ter um celular – destaca Carolina.
Dicas
- Converse, oriente e monitore os usos de seu filho(a) no celular.
- Evite que a criança fique mais de duas horas por dia conectada ao aparelho.
- Defina limites de horários para utilizar o dispositivo.
- Mostre utilidades do aparelho, como aprender novas habilidades por meio de aplicativos, por exemplo.
- Alerte de maneira didática sobre os perigos da internet.
- Oriente a criança a não postar fotos de onde estuda, mora e lugares que frequenta – isso serve para os pais também.
- Fale sobre a importância de proteger a privacidade de outras pessoas. Ou seja: não postar fotos e vídeos ou divulgar informações sem autorização.
- Utilize o Controle Parental: é um conjunto de recursos de segurança disponível em diversos sistemas operacionais que restringe o acesso de crianças a determinados sites e conteúdos.
- Dê o exemplo de como fazer um bom uso dessa tecnologia. Desgrude do celular durante as refeições e interaja com os pequenos.