Aos 29 anos recém completados — "e maravilhosamente vividos", como faz questão de ressaltar —, a advogada pelotense Lisiane Lemos conquistou neste mês um reconhecimento internacional. Por sua atuação em defesa da diversidade e da inclusão nos ambientes corporativos, foi uma das premiadas entre os cem jovens negros mais influentes do mundo, na área do Empreendedorismo. O prêmio é uma iniciativa do Most Influential People of Africa Descent (MIPAD), que entregou as distinções no dia 3, em Nova York (EUA).
Formada em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Lisiane é especialista em soluções na Microsoft, onde também participa do grupo Blacks At Microsoft (BAM). É cofundadora da Rede de Profissionais Negros, ONG que conecta profissionais negros e empresas que buscam talentos, e colíder do comitê de igualdade racial do Grupo Mulheres do Brasil. Lisiane também já fez parte da Aiesec, uma organização não governamental capacitada para formar jovens lideranças no planeta. No ano passado, ela foi incluída pela Forbes Brasil entre os 91 brasileiros mais promissores com menos de 30 anos.
Na tarde desta quinta-feira (11), em meio a uma agenda lotada de reuniões e conferências, Lisiane respondeu aos questionamentos feitos por GaúchaZH:
Como você chegou até o prêmio? Foi indicada por alguém?
Sinceramente, não sei. O MIPAD100 é realizado por indicações e qualquer pessoa pode defender o seu candidato. Neste momento, as inscrições estão abertas e acredito que seja uma ótima oportunidade para os leitores mostrarem os líderes negros do Rio Grande do Sul.
A partir do prêmio, o que você acha que mudará na sua vida?
Muitas coisas! Eu entendo que a mais importante tem a ver com representatividade, que é algo que eu defendo. A visibilidade foi importante para mostrar a população negra no Rio Grande do Sul e a mudança necessária no ambiente corporativo para inclusão de minorias.
Quando você soube que queria ser advogada e quando começou a participar ativamente de temas como igualdade racial e de gênero?
Olha, eu nunca sonhei em ser advogada (risos). Eu sabia que queria trabalhar com vendas e fiz um acordo com os meus pais. Hoje tenho clara a minha paixão por tecnologia, ramo em que atuo desde que vim para São Paulo e sobre o qual tenho o meu MBA. É interessante porque a minha atual profissão não tem intersecção direta com diversidade. Faz parte de quem eu sou. Comecei a participar ativamente desde que nasci, porque vim de uma família que militava pela igualdade social.
Sempre teve o apoio da família e de amigos em relação à sua profissão e às causas pelas quais acredita?
Sim, muito. Vejo que esse foi o maior diferencial. Alianças para combater a desigualdade. Tanto no trabalho quanto nos projetos voluntários, sempre contei com pessoas muito talentosas, apaixonadas e orientadas à busca da justiça social.
Foi difícil chegar até a Microsoft? É o que você sempre quis fazer ou tinha outros planos?
Se eu pensar na minha trajetória toda, foi difícil, sim. Se você contasse para a Lisiane que entrou na UFPel em 2007 se ela trabalharia na Microsoft seis anos depois, acho que renderia umas boas risadas. Meu plano inicial era ser uma pesquisadora em Educação em Direitos Humanos, pauta pela qual sou apaixonada. Depois queria trabalhar com vendas e foi este caminho que me trouxe até onde eu estou. Acredito que a chave para chegar até aqui foi o meu foco e o meu inconformismo.
Houve algum momento em que você percebeu que era necessário falar sobre essas questões no ambiente de trabalho?
Surgiu de uma forma espontânea porque é uma pauta natural para mim. Educação sobre igualdade sempre foi algo cotidiano na conversa com a minha família, porque pessoas negras já nascem lutando contra o racismo. Acredito que o que eu vi foi uma oportunidade de direcionar esta conversa para o ambiente corporativo, onde hoje, apenas 4.6% das posições de liderança (segundo o último levantamento do instituto Ethos) são ocupadas por pessoas negras.
Qual a importância de iniciativas como a Blacks at Microsoft dentro de grandes empresas? Você sente que as empresas estão dando mais atenção a isso? Quais as diferenças você percebe entre empresas que se importam com as questões sociais e com as que não têm nenhum tipo de projeto ou que não falam sobre o tema?
Esses espaços são de segurança, alento e confiança, principalmente. Eu vejo uma evolução exponencial no número de grupos de diversidade, discussões mais profundas que fogem do "temos que fazer diversidade porque gera mais lucro". Diversidade gera inovação. E diversidade não são só os comitês, mas a origem das pessoas, a história que elas carregam e o caminho que querem construir. Diversidade e inclusão são pilares da cultura da Microsoft. Uma vez que a indústria de tecnologia respeita a inovação e não a tradição _ como bem observou nosso CEO global, Satya Nadella _, ter um time diverso, capaz de gerar inovação por meio de ideias e referenciais diferentes é fundamental. Para alcançarmos nossa missão de empoderar cada pessoa e cada organização ao redor do mundo a alcançar mais, precisamos nos esforçar continuamente para construirmos uma organização diversa e inclusiva. É necessário ter uma equipe com perfis e referenciais diversos, que possa compreender as demandas da sociedade e gerar inovação para ela. A inovação é extremamente beneficiada com a diversidade. Um ambiente com diversidade de perfis tem muito mais chance de gerar ideias inovadoras, que conseguem se complementar, gerando produtos que um único perfil teria muito maior dificuldade de alcançar. Atualmente, o BAM é formado por 19 colaboradores da Microsoft Brasil, que participam voluntariamente do grupo. A Microsoft Brasil tem ações para contratar, promover e valorizar os negros. Entre essas iniciativas, estão o recrutamento de profissionais negros para posições de liderança e também de estágio, para desenvolver jovens talentos, e a assinatura da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, em 2016, promovida pela AfroBras e pela Universidade Zumbi dos Palmares.
Você já sofreu ou presenciou um episódio de preconceito nos lugares em que trabalhou?
É difícil ressaltar um episódio específico. Creio que o que me gera mais incômodo são as microagressões. Abrir um jornal ou revista e só enxergar negros nas páginas policiais, ver materiais de publicidade estereotipados, produtos de beleza feitos pra um tom de pele que não é o meu, não me enxergar na cadeira da presidência, ser invisibilizada em discussões e fóruns importantes. Entendo que, se efetuarmos essas pequenas mudanças, o impacto é maior do que casos de racismo explícito, que devem ser tratados criminalmente, mas infelizmente são facilmente esquecidos.
Por que é importante fazer a ponte entre profissionais negros e empresas?
Podemos passar os próximos três dias conversando? (risos). Historicamente, porque temos que desfazer um caminho que proibiu pessoas negras de frequentar boa parte dos espaços onde essas empresas estão, que proibiu acesso a educação, saúde e outros itens básicos que resultam nesse distanciamento social. Depois, porque se sabemos que mais de 50% da população brasileira é negra, o setor privado não está refletindo o que acontece da porta pra fora. E, por último, falando a linguagem do mercado, porque as empresas estão perdendo dinheiro. Quem não inova não sobrevive.
Quais dicas você repassaria às empresas que desejam auxiliar os profissionais negros no país?
O mesmo conselho que eu dou para as minhas mentoradas: peça ajuda! Seja para outras empresas, consultorias, profissionais negros que estão no mercado etc. Vejo mais pessoas dispostas a ajudar do que a julgar inadequado esse momento de mudança. E só pensando de forma diversa e juntos conseguiremos seguir com esse panorama.
E para os jovens que estão no começo da carreira profissional?
Tecnicamente: aprenda inglês. Para ontem. Falando sério, vale o mesmo conselho de cima. Somos instruídos a ser independentes, sozinhos e algumas vezes até solitários. Eu não teria chegado aqui sem ajuda de muita gente, profissionais negros e não negros. Entretanto, peça ajuda de forma estruturada. Ter um plano de carreira, um objetivo e metas claras é primordial. O mercado está mudando para melhor e a tecnologia é o meio. Aproveite!
* Colaborou Isadora Braga