Estávamos no meio da sessão, meses atrás, quando meu paciente fez uma pausa. É um rapaz recém-formado que, em meados do ano passado, saiu do Michigan rumo a Nova York para assumir um emprego em tecnologia.
"Tem uma coisa que preciso dizer, mas tenho medo do que você pode pensar", começou. E contou que andava pensando nas mulheres com quem dormira e se sentia péssimo em relação a alguns desses encontros.
"Não estuprei ninguém, nem nada, mas acho que fiz com que se sentissem péssimas."
Sou psicoterapeuta e trabalho em Nova York. A maioria dos meus clientes é de homens, mas só a partir do segundo semestre de 2017 passei a ouvi-los formulando frases como essa – ou seja, uma admissão voluntária de comportamento coercivo ou manipulador. A era #MeToo mudou meu trabalho. Se a terapia é conhecida como a arte de olhar para o próprio umbigo, este momento forte e poderoso fez com que os homens também marcassem presença no consultório, forçando-os a lidar com temas que antes evitavam.
Conforme o movimento foi se desenvolvendo, eu me vi decepcionado com a falta de engajamento masculino, com exceção de alguns pedidos de desculpas pouco convincentes e o desaparecimento temporário dos olhos do público. Sendo homem, passo pela curiosa experiência de monitorar meu comportamento defensivo ocasional à revolta feminina e brigar com a autorreflexão desconfortável.
Ao mesmo tempo, também me sinto entusiasmado com o esforço que os homens estão fazendo na terapia e como isso pode nos ajudar a compreender a relação entre o que passou a ser chamado de "masculinidade tóxica" e as reservas de vergonha que estimulam essas atitudes.
Comecei a sentir o efeito no trabalho pouco depois que as histórias sobre Harvey Weinstein começaram a pipocar, com um aumento perceptível depois do caso do comediante Aziz Ansari. Embora as acusações contra homens famosos tivessem, de certa forma, pouco a ver com as pessoas que eu atendia, eram relevantes às questões que eles levantavam na terapia. Por que interpretam tão mal as mulheres de suas vidas? Por que são acusados de feri-las com tanta frequência?
Um sujeito que estava no terceiro ano de residência médica me disse que se via em Ansari. Simpático, mas tímido, tinha muita vontade de ter um relacionamento sério, mas tinha dificuldade de se relacionar com as moças. Vinha tentando se aproximar delas de uma maneira mais "dominante" e assertiva, pois ouvira que "é disso que elas gostam". Resultado: teve uma atitude agressiva ao sair com uma garota e ouviu dela que seu comportamento era bizarro.
Sentado no meu sofá, ele mal conseguia me encarar. Confessou ter passado praticamente o fim de semana todo deitado e, por fim, reconheceu que andava tão concentrado no seu desempenho durante os encontros que acaba não se relacionando com a menina, incapaz de entender e/ou interpretar as reações dela. Estava tão preocupado em se livrar do próprio desconforto que se tornava insensível à mulher na sua frente.
Quase todos os homens que entram no meu consultório ou parecem anestesiados, incapazes de mostrar/sentir alguma emoção, ou engajados superficialmente, escondidos atrás de uma simpatia impenetrável. Quando pergunto a um deles, por exemplo, como se sente quando a namorada diz, "Estou tão chateada que não aguente nem ficar perto de você", geralmente a resposta é: "Fico frustrado." É uma palavra que ouço muito, embora basicamente não signifique muita coisa. Como a maioria passa pouco tempo lidando com os próprios sentimentos, tem um vocabulário bem limitado para descrever o que lhes vai no peito.
Um fotógrafo recém-separado conseguiu se distanciar tanto do que sente que já não consegue nem dizer se consegue se divertir em um encontrou ou não. Um corretor financeiro de 40 e poucos anos encolhe os ombros quando pergunto como se sente quando a mulher briga com ele.
No início do tratamento, tento ajudar os homens a perceber o que está acontecendo não só em suas cabeças, mas nos corpos. O estilo da terapia que ofereço é chamado "psicoterapia dinâmica experimental acelerada" e, nesse tipo de trabalho o foco principal é na experiência física das emoções.
O nosso corpo guarda tantas das nossas reações emocionais que se aprende muita coisa só prestando atenção nas reações fisiológicas. Quase sempre, os homens que atendo sentem uma tensão forte no peito e no estômago: ansiedade. E admitem que ela está presente praticamente o tempo todo; por isso, a maioria desenvolve algum hábito para lidar com ela, seja malhar, se masturbar, jogar videogame ou beber.
Descobri que, no caso de muitos, sob a sensação de angústia presente o tempo todo, há várias "camadas" de vergonha, principalmente a de ter sentimentos. Acham que há algo fundamentalmente errado consigo mesmos, que não são homens, mas sim meninos.
A vergonha é a arma emocional que permite o surgimento do comportamento patriarcal. O medo de se sentir fragilizado leva o homem a racionalizar a atitude deplorável. Esse tipo de constrangimento tóxico é contraponto direto à vergonha saudável, aquela que todos precisamos sentir para reconhecermos erros e assumirmos responsabilidades.
Descobri que, quase sempre, as dificuldades que os homens enfrentam com as mulheres vêm da infância. No caso do residente, por exemplo, sob a procura constante de novas parceiras, estavam as lembranças dolorosas que o levaram a acreditar não ser aceito pelo pai. Um empresário de 42 anos que veio me ver por causa de suas traições e mentiras constantes, descreveu suas motivações como se ainda fosse um garoto de quinze anos querendo a aprovação dos amigos: "Para falar a verdade, eu nem gosto muito de sexo, mas sinto satisfação em levar mais uma para a cama. Acho que os outros caras vão ficar impressionados se souberem."
Na tentativa de lidar com esse sentimento de embaraço e constrangimento, alguns vivem entorpecidos; outros não conseguem segurar o peso e afundam sob a depressão ou o fracasso crônico. Há também os que usam a dor que sentem para projetá-la no mundo com palavras e atos violentos, questões essas que os fazem buscar a terapia.
Entretanto, apesar do quadro sombrio, homens assim alcançam a superação, principalmente quando se sentem aceitos, em vez de vilipendiados.
O jovem que me revelou, meses atrás, que tinha medo do que eu pensaria a seu respeito, me fez a seguinte pergunta depois da revelação inicial: "Sou igual a Harvey Weinstein? Sou um monstro?".
E ficou quieto, olhando para o vazio. Perguntei: "Você consegue olhar para mim? Tenho cara de quem está olhando para algum monstro?".
Seus olhos se voltaram para mim e eu os encarei, receptivo.
"Quero que saiba que respeito a coragem necessária para reconhecer algo desse tipo e compartilhá-la comigo, mas, ao mesmo tempo, não quero que amortize seus sentimentos porque aí você vai se esquecer de tudo isso e seguir adiante", eu disse.
Ele começou a chorar e, depois, a soluçar. Viu-se engolfado por uma onda de tristeza ao imaginar a dor que tinha causado àquelas mulheres. Conforme as lágrimas foram diminuindo e começamos a processar seu sentimento, veio mais choro, dessa vez de alívio – não, ele não era um monstro, era capaz de sentir remorso e empatia. Até então vivia desesperado para melhorar a autoestima através das conquistas sexuais – até começar a colocar seu prazer acima do desconforto alheio, comportamento gerado pelos momentos em que se sentira inútil e sem valor. Parecia que ele estava chorando por essa pessoa, lágrimas que há anos esperavam para ser derramadas.
Na sessão seguinte, ele fez uma revelação que me surpreendeu pela simplicidade e clareza: andara pensando muito em uma das mulheres sobre quem falara. Procurou-a, combinaram de se encontrar para um café e ele pediu desculpas.
(Avi Klein é psicoterapeuta.)
Por Avi Klein