O brigadiano aposentado Valdeci de Figueiredo Nascimento, 52 anos, fala de forma suave, com tom de voz baixo e pausado, como se tivesse recém meditado. Com o cavalo Guapo, de 12 anos, ele expressa a mesma gentileza e respeito enquanto toca-lhe a crina, levante-lhe a pata e, inclusive, ajoelha-se por debaixo da barriga do animal, passando de um lado ao outro, mostrando a relação de confiança entre homem e bicho. Encantador de cavalos, ele era responsável pela oficina de doma racional do Domingo no CTG, evento que ocorre ao longo deste domingo (20) no CTG Gomes Jardim, em Guaíba.
Promovido por nove entidades tradicionalistas do município, o Domingo no CTG também oferece oficinas de dança, baile, culinária e tiro de laço. A expectativa da organização é de que, até o fim do dia, mais de 5 mil pessoas passem pelo parque de rodeios.
Nascimento pratica, em Osório, a doma racional, modalidade de adestramento não violenta com animais. Por meio de técnicas envolvendo assovios, estalar de lábios e aproximação por etapas, o domador conquista a confiança de cavalos xucros. A técnica foi aconselhada por seu pai, que era capataz. O filho realizou cursos e passou a treinar cavalos da Brigada Militar.
— A relação com o cavalo é na base da confiança, da paciência e da repetição. Vejo o que ele quer pelas orelhas: se estão para frente, ele está curioso e alerta. Se estão para trás, ele está descontente ou agressivo. Ele é que me diz se me quer, não o contrário. Com isso, treinei muito cavalo, inclusive os da Copa do Mundo — diz o brigadiano da reserva, enquanto destaca que a interação com o animal deve começar com a mão passando no chanfro (fronte) do cavalo.
Mais à frente, um grupo de amigos assava um churrasco com fogo de chão, iniciado às 5h. Mas não era apenas um churrasco: havia três cordeiros, cinco costelas e cinco vazios, além de 80 quilos de vegetais, como pimentão, cenoura e tomate. Dentre os assadores, estavam o pecuarista Valdo Luis Martins, 60 anos, e o filho, o estudante de Engenharia Civil Valdo Luis Martins Filho, 23 anos, o Valdinho. Na interação entre os dois, havia uma relação de cumplicidade, evidenciada no trato do fogo e da carne.
— Meu pai era peão de fazenda. Durante muito tempo, eu cuidava da empresa de serigrafia da família — diz Valdo pai. — Voltei há uns 15 anos para o campo, arrendando e comprando terra, e agora cuido de gado de reprodução. A qualidade de vida é muito maior, acordo às 5h, tomo meu chimarrão e tenho muito mais disposição — diz.
Valdinho, que mora em Eldorado do Sul, diz que pode até viver em zona urbana, mas que se sente bem mesmo é com bombacha e bota, assando uma carne.
— O churrasco é um momento de união. O fogo traz uma energia da natureza, uma simplicidade. Tu ficas ouvindo história, trocando experiência. Isso mexe comigo, está no meu coração — descreve.
Fila de chimarrão
Na oficina de chimarrão, a fila se formava: se os visitantes chegavam de cuia vazia, saíam com erva-mate e água quente. Liliane Pappen, 39 anos, presidente do Instituto Escola do Chimarrão. Ela dá uma aula de história: explica que o hábito começou com os guaranis e foi descoberto no Paraná. Para a tribo guarani, a erva-mate, devido aos poderes revigorantes, era ligada ao deus Tupã. O Brasil é apenas o quinto consumidor mundial, atrás do Uruguai e até mesmo da Síria.
Todo o conhecimento é acumulado desde a década de 1990, quando foi prenda regional em Venâncio Aires, capital nacional do chimarrão, e saiu a dar palestras em escolas sobre a bebida, dentro de um carro cheio de cuias, bombas e térmicas. Anos mais tarde, foi trabalhar em uma indústria de erva-mate e se aprofundou mais sobre o tema. Hoje, já viajou para Europa e Estados Unidos para difundir a história do chimarrão.
— Ele está inserido em nosso cotidiano e as pessoas não se questionam. É a rede social das mais antigas, o momento em que olhamos nos olhos e trocamos experiências. Há uma noção de igualdade na roda: não importa quanto o outro ganha, você vai passar a cuia para frente — reflete.