Os casais heterossexuais geralmente dividem as tarefas domésticas – preparar o jantar, aparar a grama, definir e supervisionar as atividades dos filhos, levar o lixo para fora – baseados no gênero.
Já os casais do mesmo sexo se organizam de forma mais igualitária, como várias pesquisas descobriram.
Entretanto, de acordo com um estudo dos novos dados de amostras mais representativas da população homossexual, descobriu-se que não é bem assim: quando casais de gays e lésbicas têm filhos, começam a seguir uma divisão mais aos moldes da dos heterossexuais. Embora as responsabilidades sejam mais equitativas, um sempre ganha mais e o outro acaba se dedicando mais à casa e aos filhos. Isso mostra que os papéis não têm só relação com o gênero, e que o trabalho e grande parte da sociedade ainda estão baseadas em famílias com uma única fonte de renda.
— Uma vez que chegam os filhos, começa a pressão quase inevitável para que as tarefas sejam divididas dessa forma, e vemos o mesmo com os casais homossexuais. As circunstâncias conspiram em todos os níveis para a manutenção dos papéis tradicionais — afirma Robert-Jay Green, professor emérito da Faculdade de Psicologia Profissional da Califórnia, em San Francisco.
Entre essas conjunturas estão os empregadores que esperam disponibilidade integral, a ausência de licença-maternidade ou licença-paternidade remunerada e pré-escolas públicas. Elas também estão nas pequenas coisas, como no contato com pediatras, professores e avós, que sempre supõem que um dos pais é o responsável por determinada tarefa.
— Para mim, a escolha de ficar em casa é mais simples do que a de ambas trabalharmos fora e ficarmos nos estressando para saber quem vai fazer o quê. Impossível no momento —conta Sarah Pruis, responsável pela educação dos cinco filhos que tem com a esposa, que é quem trabalha em tempo integral em Cheyenne, no Wyoming.
O economista Gary Becker, vencedor do Prêmio Nobel, propôs a teoria de que o casamento é uma questão de eficiência, com o marido especializado em ganhar o sustento, e a mulher, em cuidar da casa e criar os filhos. Nas últimas décadas, porém, com elas ganhando direitos reprodutivos e espaço no mercado de trabalho, o casamento se tornou mais um caso de companheirismo.
Mesmo assim, as que são casadas com homens – mesmo trabalhando e ganhando tanto quanto ou mais que seus maridos – ainda fazem mais trabalho doméstico, e os cientistas sociais descobriram que os deveres são uma questão de gênero. As tarefas femininas são, na maioria, internas e repetitivas: cozinhar, limpar, lavar, cuidar dos filhos; as masculinas são quase todas externas e menos frequentes: tirar o lixo, aparar a grama ou lavar o carro.
Dezenas de estudo de casais de gays e lésbicas concluíram que o trabalho não remunerado é dividido de maneira mais igualitária. Por não obedecerem aos papéis de gênero tradicionais, tendem a ser mais equânimes.
O potencial de ganho de ambos não é automaticamente diferente, já que não enfrentam as disparidades salariais dos casais heterossexuais, e é muito provável que ambos trabalhem. Aliás, antes da legalização desse tipo de união, era financeiramente mais arriscado que um dos dois parasse de trabalhar porque ele(a) teria poucos direitos aos bens adquiridos em conjunto em caso de separação ou morte.
De uns anos para cá, porém, há um volume maior de dados oficiais oferecendo aos pesquisadores uma visão mais detalhada de como os casais homossexuais dividem o tempo.
Dorian Kendal, 43 anos, e Jared Hunt, 38, casados há quatro anos, moram em San Francisco, nos EUA, e dizem que fazem as tarefas domésticas baseados em preferências pessoais.
— Detesto cozinhar, então, o Dorian é responsável pela alimentação — explica Hunt.
— O Jared não põe o pé na cozinha e eu odeio lavar roupa. É a pior coisa do mundo. Aliás, ele fica doido se eu invento de lavar minhas coisas. Foi assim que me apaixonei: quando encontrei alguém que ficava bravo comigo por fazer algo que detesto — brinca Kendal.
Entretanto, quando adotaram um bebê, decidiram que Hunt pararia de trabalhar para ficar em casa durante um ano; afinal, estava com a carreira em transição – da dança para a decoração de interiores –, e Kendal, executivo do setor de tecnologia, ganhava muito mais.
— Não é questão de masculino ou feminino, mas, sim, de fazer o melhor para o casal e para que as coisas funcionem — constata Hunt.
Um estudo comparando duas pesquisas abrangentes de casais em duas épocas diferentes concluiu que entre os heterossexuais aumentou o equilíbrio na divisão de tarefas em 2000, comparado a 1975, mas entre os homossexuais, nem tanto. Green, um dos autores, atribui o fenômeno ao fato de que, em 2000, mais casais do mesmo sexo já tinham se casado e tido filhos.
São muitos os fatores que parecem empurrá-los para a especialização em tarefas diferentes depois da (p)maternidade, principalmente a jornada de trabalho, como concluiu a professora de psicologia da Universidade Clark, Abbie Goldberg. Para ela, o casal tende a dividir o trabalho doméstico quando ambos têm horários flexíveis ou ganham o suficiente para contratar ajuda.
— A utopia igualitária é excessivamente simplificada, pois não é a realidade das pessoas. Na verdade, homossexual ou não, os casais lutam com as mesmas dinâmicas. Está tudo indo muito bem, e aí você tem ou adota um bebê e, de repente, o volume de trabalho dentro de casa se multiplica — explica.
Não existem estudos abrangentes sobre a divisão de tarefas em famílias nas quais um dos parceiros, ou ambos, não se identifica(m) apenas com um gênero, embora as pesquisas mostrem que os transgêneros tendem a compartimentá-las de acordo com as linhas masculino/feminino.
Mesmo quando pais/mães gays e lésbicas assumem papéis diferentes, em termos gerais ainda se consideram equitativos – o que nem sempre vale para as relações heterossexuais – e sugerem um modelo diferente para chegar à igualdade.
A utopia igualitária é excessivamente simplificada, pois não é a realidade das pessoas. Na verdade, homossexual ou não, os casais lutam com as mesmas dinâmicas. Está tudo indo muito bem, e aí você tem ou adota um bebê e, de repente, o volume de trabalho dentro de casa se multiplica.
ABBIE GOLDBERG
Professora de psicologia
Muitos dizem que o grande segredo é a comunicação; além disso, o pai/mãe responsável pelo cuidado com os filhos não assume outras tarefas e a divisão não tem o peso da bagagem de gênero.
Sarah, 41 anos, e Jacque Stonum, 34 anos, foram casadas com homens e tiveram cinco filhos entre as duas quando se uniram, há dois anos. Stonum é capitã da Guarda Nacional Aérea do Wyoming.
Juntas, elas decidiram que Sarah, que fora dona de casa no primeiro casamento, continuaria a manter a função. Ela afirma que, embora as responsabilidades sejam divididas da mesma forma como com o ex-marido, acha que agora as coisas são mais justas.
— A impressão que eu tinha é que todo mundo achava aquele devia ser o meu papel, e embora a gente viva em uma cultura mais igualitária, não havia nada disso, e acabei me ressentindo com meu ex. Hoje eu acho que é mais o caso de uma escolha consciente — define.
Stonum completa:
— Teve muito mais diálogo e menos presunção de quem faria o quê. Eu sei que tenho muita sorte porque, com isso, ela permite que eu me concentre na minha carreira. Não precisamos nos preocupar em conciliar as atividades, que seria o caso se ambas trabalhássemos fora.
A experiência delas parece ser comum entre os casais do mesmo sexo. No grupo de mães lésbicas que Goldberg pesquisou, grande parte das mães não biológicas, por não poderem fazer coisas como amamentar, prontificou-se a assumir outras responsabilidades, como dar banho e ajudar com a lição de casa.
Um estudo na Suécia concluiu que entre os casais lésbicos nos quais uma das parceiras tinha dado à luz, essa sofria a mesma redução salarial que a mãe heterossexual. Cinco anos depois, porém, os ganhos das primeiras já tinham se recuperado enquanto os das segundas nunca chegam a fazê-lo.
Estudos mostram que, quando se trata de divisão de tarefas, a felicidade e a satisfação conjugal não dependem da proporção 50/50, mas sim do quanto esse compartilhamento reflete o ideal de ambos.
E as pesquisas revelam que casais de gays e lésbicas, mesmo quando não dividem o trabalho doméstico igualitariamente, têm a tendência de achar que operam em uma dinâmica mais justa. Quem mostra mais insatisfação nesse quesito? As mulheres heterossexuais.
Por Claire Cain Miller