Uma postagem de Facebook em que uma professora é acusada de "incentivar a homossexualidade e o adultério" em sala de aula resultará em uma indenização de R$ 3,5 mil por danos morais a ela. A Justiça gaúcha determinou que Nice Stelter Passos, professora de história e sociologia do Colégio Estadual Senador Alberto Pasqualini, de Novo Hamburgo, terá de ser ressarcida por ter sido "indevidamente atingida em sua reputação e imagem pelas publicações feitas".
O imbróglio teve início em março de 2017, quando, em alusão ao Dia Internacional da Mulher, a profissional resolveu explorar com os alunos do 1º ano do Ensino Médio a temática da violência de gênero. Para isso, Nice levou dois tipos de materiais: um discurso da atriz Emma Watson sobre igualdade de gênero e vídeos da campanha He for She, da Organização das Nações Unidas.
— Tínhamos um projeto na escola, a pedido da Secretaria Estadual de Educação, de que a violência de gênero fosse trabalhada nas escolas. Esse material não foi escolhido de forma aleatória: peguei informações na página da ONU, que oferecia material para professores abordarem o assunto. Não tinha nada indevido ou impróprio para a faixa etária — destaca a professora.
A aula, segundo Nice, correu sem sobressaltos. Dias depois, porém, ela começou a receber cópias de um texto postado no Facebook pelo perfil do irmão de um de seus alunos, primeiramente, no grupo da escola e, mais tarde, em um grupo com o nome da cidade e com mais de 50 mil integrantes. Nele, Erik Rossetti diz que a professora estaria ensinando "ideologia de gênero" e "incentivando a homossexualidade e o adultério" em sala de aula. Por fim, faz um "apelo a todos os pais cristãos" para "combater" o que define como "monstruosidade" e, nos comentários, deixa o link do perfil da professora – a postagem foi apagada depois. Procurado pela reportagem, o advogado de Erik disse, através de sua secretária, que enviaria uma nota sobre o assunto até o fim da tarde desta quarta-feira (25).
— A forma como construímos o gênero é histórica e social e faz parte do ensino de história. Estamos inseridos numa sociedade machista, e é papel do educador desconstruir esses estereótipos, essa violência diária que a mulher sofre. Sempre abordei o tema em sala de aula e nunca tinha tido problema. Fiquei assustada — comenta a professora, que relata ter recebido mensagens em tom de ameaça após a postagem.
O caso foi parar na Justiça, que, em setembro, emitiu decisão favorável à professora, fixando uma indenização de R$ 5 mil. O irmão do aluno recorreu e o caso voltou a ser analisado. No fim de março, uma nova sentença confirmou a primeira, reduzindo o valor a ser pago para R$ 3,5 mil. O voto do relator destaca a ausência de provas e o fato de a família não ter buscado o diálogo com a professora ao questionar sua metodologia de ensino, expondo-a ao "tribunal das redes sociais". O texto avalia, ainda, que "tal conduta de indevida exposição em rede social, mesmo sem a utilização de palavras de baixo calão, evidentemente atingiu a imagem e a reputação da autora perante a comunidade escolar e habitantes da cidade de Novo Hamburgo". Para a advogada Fernanda Monteiro Bidinoto, a decisão tem caráter didático:
— O intuito era acabar com essa situação, mostrar para a sociedade que existe indenização para quem é ofendido. Para fixar o valor, os juízos se baseiam em casos semelhantes. Ela ficou muito satisfeita, porque queria trazer essa discussão, que não se pode ofender via rede social. Era uma ação educativa, e o recado realmente foi dado.