A Câmara de Vereadores de Bento Gonçalves aprovou por unanimidade na segunda-feira (27) um projeto de lei que prevê que a Biblioteca Pública Municipal crie um espaço reservado a obras literárias consideradas inadequadas para crianças e adolescentes.
Segundo o texto aprovado, "considera-se materiais inadequados livros que contenham: nudez artística, pornografia, escárnio a símbolos religiosos e apologia ao uso de substâncias ilícitas e ao crime". Livros com estes conteúdos só poderiam ser consultados por maiores de 18 anos. Para valer, o projeto tem de ser sancionado pelo prefeito Guilherme Pasin (PP).
Conforme o vereador Rafael Pasqualotto (PP), que propôs a matéria, o projeto foi formulado a partir da chegada de um exemplar do livro da exposição Queermuseu, que foi cancelada no Santander Cultural, em Porto Alegre, após ataques em redes sociais. De acordo com a justificativa do projeto, uma proposta de lei sobre o tema "se faz necessária, tendo em vista os últimos acontecimentos no mundo literário, momento em que o Brasil passa por uma verdadeira 'crise moral' no que se refere a manifestações ditas culturais e/ou artísticas de gosto e interpretações duvidosas".
Pasqualotto considera como exemplos de tais acontecimentos o Queermuseu e uma exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde uma criança toca um artista nu. Ele afirma que o projeto se baseou em artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente e na classificação etária para obras audiovisuais no país, já que não existe uma classificação para livros. O projeto, no entanto, não prevê faixas intermediárias, apenas uma divisão entre crianças e adolescentes e maiores de 18 anos; segundo o vereador, isso é para simplificar o trabalho de classificação na biblioteca.
Em entrevista ao programa Timeline da Rádio Gaúcha nesta terça (28), Pasqualotto disse que não está indo contra a cultura:
— Queremos apenas que seja cumprida a lei federal, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente — afirma.
O vereador argumenta que não se trata de censura, mas de preservar a criança ou adolescente, que "não tem capacidade de arguir", ficando o material disponível para adultos. Para Pasqualotto, os livros interferem no processo de formação da criança e do adolescente e, segundo ele, tal interferência não pode partir do poder público, já que a biblioteca é municipal.
Michele Marques Baptista, coordenadora da Biblioteca da Universidade de Caxias do Sul, diz que a universidade, que abrange um dos maiores acervos da região, segue o Conselho Regional de Biblioteconomia, que não apoia qualquer tipo de restrição. No campus 8 da UCS, por exemplo, há livros com imagens de nudez, já que o local é frequentado por alunos das artes.
Fiscalização
O projeto prevê que a regra seja fiscalizada pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselho Tutelar, Secretaria Municipal da Cultura e também pela população em geral. Conforme o vereador, em caso de divergência de interpretação sobre o teor de uma obra, o caso teria de ser resolvido pelos órgãos de forma conjunta.
O secretário da Cultura, Evandro Soares, afirma que a secretaria ainda terá de avaliar como será feita a operacionalização na prática da biblioteca. Ele considera que o assunto deveria ser mais debatido antes de virar lei.
— Como secretário, acredito que a classificação indicativa tem que ser discutida — afirma.
Soares diz que recomendaria o veto para que houvesse mais discussão com os diversos segmentos da sociedade, a exemplo de outros projetos que passam por audiência pública.
Sobre os casos de divergência de interpretação do teor de livros, na fiscalização da lei no âmbito da Secretaria, ele indica que uma possibilidade seria fazer o encaminhamento junto ao Conselho Municipal da Cultura.