O contador Alan Moura e a filha Sofia saíram de Belo Horizonte no sábado de manhã. O consolo da jornada de 1,4 mil quilômetros de carro seria ver o ápice do inverno: a neve na Serra Catarinense, prevista para ocorrer na segunda-feira. Mas viajar em cima da hora para então buscar uma vaga de hotel é roubada na certa. Ao chegar no domingo à tarde a Urupema, ficaram sem ter onde pernoitar.
Na autointitulada cidade mais fria do Brasil, não ter teto e cobertores garantidos são um problema elevado ao cubo. Mas a salvação da família mineira foi a casa de Lívia Varela Corrêa Leite. Quando Moura foi à Casa do Turista pedir informações sobre hospedagem, ela também estava lá a procura de hóspedes. Numa conferida in loco na propriedade – feita de madeira, com lareira e fogão à lenha – Moura decidiu ficar na hora.
– Achei maravilhoso, tudo muito bem conservado e superaconchegante. O conforto da casa me surpreendeu. No ano passado, estivemos numa pousada em São Joaquim e o quarto era gelado. Agora deu vontade de voltar – afirma Moura.
As chamadas hospedagens alternativas foram a salvação de boa parte dos turistas que arriscaram ir para Urupema, São Joaquim e Urubici no último fim de semana. Os preços – diária média de R$ 120 – não são necessariamente tão mais baratos dos que os raros hotéis locais, mas a receptividade vale a pena e contribui para o complemento de renda dos moradores da região mais carente de Santa Catarina. Além disso, a maioria oferece café da manhã.
Na falta de leitos na segunda-feira à noite, a própria reportagem do DC e da RBS TV teve de se hospedar numa das casas cadastradas na Secretaria de Turismo de Urupema, que tem apenas dois hotéis e cerca de 10 pousadas, além de fazendas que recebem visitantes pelo programa Acolhida na Colônia.
Esforço voluntário para garantir o teto
Na iminência de mais uma invasão de turistas à cidade, a advogada Karine Almeida Velho decidiu se voluntariar a reunir todos os moradores que têm um espaço para oferecer. Criou um grupo no WhatsApp e em minutos juntou 43 pessoas na tarde de sexta-feira da semana passada, entre donos de pousadas formais e alternativas. Cada informação que ela recebia de famílias que estavam sem ter onde ficar era espalhada pelo aplicativo.
– O mais legal é que as formais passavam o contato do turista. Acabavam abrindo mão do visitante para passar para o grupo e não deixar de atender – afirma Karine.
O engajamento deu resultado. Segundo levantamento preliminar, feito por Karine, pelo menos 264 pessoas (45%) foram abrigadas entre sexta e segunda-feira em hospedagens alternativas, contra 323 que ficaram nas pousadas e hotéis convencionais em Urupema.Além do acolhimento, duas moradoras foram além e prepararam cafés alternativos para suprir a falta de restaurantes, lanchonetes e padarias. Numa delas, 170 cafés foram servidos em dois dias.
Para as próximas ondas de frio, Karine pretende reunir os participantes do grupo e aprimorar o serviço e a organização das demandas. Segundo o secretário de Turismo de Urupema, Ronei Arruda, a intenção é aproveitar esse cadastro e estabelecer critérios mínimos para receber bem.
Guia com saudades de quem vai embora
Com uma casa de dois andares bem em frente à Igreja Matriz de Sant’Ana, no Centro de Urupema, estrategicamente posicionada entre a Praça Manoel Pinto de Arruda – do famoso relógio-termômetro – e com vista para Morro das Torres, o casal Angelita e Wolni Wrubleschi abre as portas para receber visitantes sem teto desde 2013. No último fim de semana, dois casais de Brusque, que já se hospedaram outras vezes na casa, vieram com expectativa de ver neve.
Por um preço médio de R$ 130 por casal, a residência pode receber até seis hóspedes simultaneamente. O valor inclui café da manhã, mas como os donos estão fora o dia todo e retornam à noite e há poucos restaurantes na cidade, é comum jantarem todos juntos.– Os visitantes se tornam parte da casa – afirma Angelita, que segura o chimarrão e convida para sentar em volta do fogão à lenha.
O estudante William, 23, filho do casal, vira guia. Ele saiu com os hóspedes para conhecer os campos de fruticultura, o pequeno centro da cidade e o Morro das Torres, que foi tomado de branco com o sincelo – congelamento do nevoeiro ao tocar superfícies geladas – na segunda de manhã.
– Eles (turistas) se tornam amigos. Quando o pessoal vai embora, a gente sente falta – diz William.
Receber bem quem bate à porta de passagem pela cidade vem de gerações passadas na Serra Catarinense, ainda da época dos tropeiros, que saíam do Litoral rumo ao interior em busca de oportunidades e paravam nas casas em busca de abrigo.
– Meu avô costumava receber as pessoas que não tinham onde ficar. É uma coisa que a gente gosta, ajuda essa necessidade do município e ainda tem retorno financeiro – defende Angelita Wrubleschi.
Reforma aumenta conforto de hóspedes
A três minutos de caminhada da casa dos Wrubleschi está a da dona Mafalda Aparecida Machado, 66, onde ela mora com o neto de 12 anos. Apenas entre sábado e terça-feira da semana passada, ela abrigou 18 pessoas, vindos de Florianópolis, Criciúma, Brusque, Itajaí, São Paulo e do Paraná.
Informalmente, dona Mafalda, que já foi secretária de Turismo do município, faz esse serviço há oito anos. De lá para cá, investiu em reformas na casa para aumentar o conforto dos hóspedes. São cinco quartos com lençóis térmicos, dois banheiros, lareira e fogão à lenha. O preço médio é de R$ 150 por noite por casal, com café da manhã.
– Eu adoro. É muito gratificante.
Estado vai criar crédito para incentivar prática
Como o turismo ainda engatinha na Serra Catarinense e o volume de visitantes cresce principalmente com as previsões de frio intenso ou neve, ou seja, movimento sazonal, ainda é fraco o interesse de investidores no setor do turismo e as prefeituras têm pouca receita para investir no setor. O secretário de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, Leonel Pavan, afirma que as hospedagens alternativas são uma forma de dar fôlego ao turismo regional.
A secretaria está cadastrando propriedades rurais na região de Concórdia e Araranguá. A intenção é estabelecer um convênio com o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) para criar uma linha de crédito a moradores que queiram financiar obras de reforma ou ampliação em propriedades que tenham valor histórico ou cultural para as comunidades, além de espaço e intenção de abrigar visitantes.
Segundo Pavan, o trabalho será gradativamente expandido para outras regiões do Estado e há a intenção de que até o próximo inverno alcance a Serra.
No dia 31, técnicos da secretaria vão promover capacitação com moradores de São Joaquim, que exercem os mais variados tipos de atividades, para ensinar a importância de abrir as portas para o turismo e a importância econômica da atividade.
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