O caderno DOC deste final de semana conta as histórias de Virgínia Cunha Betiatto, Ana Paula Sanches e Elusa Dalmoro. Elas perderam seus maridos em circunstâncias diferentes, todos ainda jovens, com os filhos por serem criados. Na reportagem, as três mães mostram como encontram forças para seguir em frente. Aqui, especialistas discutem o processo de luto.
Cada processo de luto é muito peculiar. A duração e a intensidade variam de acordo com o tipo de vínculo rompido, a situação de vulnerabilidade em que o enlutado se encontra e suas possibilidades para retomar a vida a partir dali. No caso da viuvez, quem fica precisa assimilar a interrupção de planos e sonhos que até então eram pensados a dois. Por melhor que se possa construir a compreensão da doença, do acidente ou do episódio de violência que vitimou o parceiro, há uma sensação de traição, define a psicóloga Elaine Gomes dos Reis Alves, membro do Laboratório de Estudos sobre a Morte do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).
– A pessoa não casa para ficar sozinha. Fica essa sensação de que ela foi traída pela vida – diz Elaine.
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Em teoria, o luto mais difícil, aponta a especialista, é o que deriva da perda de um filho, mas ela ressalta que a pior dor é aquela que cada um sente. Quando a viuvez envolve filhos, há de se considerar que são dois os vínculos que se quebram – a viúva perdeu o companheiro e também o pai de seus filhos.
– A obrigação dos pais é cuidar do filho, e deixar esse filho sem pai é como se você não cuidasse dele direito. Não existe responsabilidade maior do que educar uma criança – reflete Elaine. – Quando o marido deixa um filho, muito da energia que você direciona para o seu marido vai para o seu filho também, porque você tem alguém para amar. Mas, por outro lado, é assustador, porque tudo que você sonhou fazer em conjunto agora ficou só por sua conta. A mulher vai ter que entrar em contato com a sua solidão, com a sua tristeza e também com a sua raiva do destino, que fazem parte do processo de luto – acrescenta.
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Conciliar esse sofrimento com a maternidade é um grande desafio. A psicóloga Erika Pallottino, coordenadora do Instituto Entrelaços, do Rio de Janeiro, especializado em questões que envolvem perdas e luto, destaca que a mãe viúva tem uma sobrecarga: além do abalo emocional que sofreu, ela precisa tentar amparar o filho sentindo-se, ela própria, desamparada. É fundamental o papel da rede de apoio ao longo dessa reestruturação. Familiares e amigos mais próximos podem ajudar no acolhimento da criança, que precisará entender um conceito complexo e abstrato como a morte.
– A criança precisa ser inserida nas conversas para que participe também do processo de luto. Ela sente que tem alguma coisa muito diferente na família, sente o impacto da perda, sente que o cuidador principal enlutado está diferente, sofrendo. A morte já é um desaparecimento e não pode se tornar também um desaparecimento na linguagem e na vida familiar – orienta Erika, que indica que não sejam utilizados eufemismos como "papai está dormindo", "foi viajar", "virou estrelinha".
Quando a viúva é jovem, pode enfrentar um obstáculo extra, o do luto não autorizado. Na ânsia de oferecer algum conforto, um interlocutor pode recorrer a frases como "não fique assim, você é nova, vai encontrar outra pessoa". Para Elaine, trata-se de uma abordagem desrespeitosa:
– Enquanto a pessoa está chorando por quem se foi, você não pode dizer que ela vai encontrar outra pessoa. Ela não quer isso, ela quer que a pessoa que morreu volte. Faz parte do processo de luto desejar e fazer de tudo para que a pessoa volte, independentemente de ser possível ou não. Pode ser que essa mulher nunca mais encontre alguém. Vai encontrar um sentido para a sua vida, sim, às vezes o próprio filho, além de outras coisas, mas ela pode nunca mais querer outra pessoa. E isso a sociedade vai cobrar depois: se ela arrumar um companheiro muito rápido, é porque foi muito rápido, se não arrumar, é porque não arrumou. As pessoas deveriam ouvir mais e acolher quem sofre do que fazer julgamentos.