Conhecida pelo Carnaval mais fora de época do Estado, Uruguaiana – que teve os desfiles encerrados na madrugada de domingo, com a vitória da escola de samba Os Rouxinóis – perdeu este título em 2017 para Porto Alegre. Na Capital, pela primeira vez, as escolas de samba só entrarão na passarela quase um mês depois da data oficial da festa de Momo, devido à falta de patrocinadores. Dona de um evento carnavalesco considerado um dos maiores do Brasil, a cidade gaúcha da Fronteira Oeste virou exemplo de como o Carnaval pode sobreviver sem o auxílio do poder público.
Ao contrário de Porto Alegre, onde a falta do dinheiro vindo da prefeitura quase suspendeu as atividades neste ano, as dez escolas de samba do Grupo Especial de Uruguaiana produziram o desfile de 2017 apenas contando com as vendas dos camarotes e dos lugares na avenida, que chegam a quase 50 mil espectadores nos três dias, e com dinheiro vindo de apoiadores particulares.
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– O Carnaval pode ser autosuficiente, mas precisa de uma boa gestão – afirma o presidente da Unidos da Cova da Onça, José Carlos Zaccaro, que investiu R$ 1 milhão na ampliação e cobertura da quadra de ensaios da escola para realizar eventos durante o ano inteiro e arrecadar fundos. O local tem capacidade para 6 mil pessoas.
Aporte para 2018
E é pensando na boa gestão que está sendo formalizada a Associação das Escolas de Samba de Uruguaiana para gerir as contas do espetáculo. Segundo José Carlos, a iniciativa deixará as escolas mais independentes do poder público, podendo administrar o dinheiro hoje gerido pela Comissão de Carnaval – que envolve a prefeitura.
A primeira ação já está garantida: por meio de projeto cultural encaminhado ao Ministério da Cultura, o Carnaval de Uruguaiana tem liberado R$ 1,5 milhão para preparar o desfile de 2018. Pelos cálculos do presidente da Cova da Onça, cada escola do Grupo Especial receberia entre R$ 300 mil e R$ 420 mil, enquanto que as do Acesso receberiam até R$ 70 mil, cada.
– Já estamos buscando parcerias na iniciativa privada. Um exemplo é uma grande marca de cerveja. A meta é nos tornarmos o segundo maior Carnaval do Brasil, só atrás do Rio – prevê, confiante, José Carlos.
Intercâmbio e compra de fantasias
A sobrevivência da Uruguaiana em meio à crise que fez inúmeras cidades gaúchas cancelarem o Carnaval neste ano despertou a atenção dos carnavalescos da Capital. Tanto que representantes da Liga Independente das Escolas de Samba de Porto Alegre (Liespa) e a corte se fizeram presentes nos dias de desfile deste ano, numa espécie de intercâmbio para conhecer o trabalho desenvolvido na região. Outra novidade é que as escolas da Capital estão contatando as agremiações da Fronteira Oeste para possíveis compras de fantasias.
Para o presidente da escola Os Rouxinóis, Jorge Quirino, a arrecadação é fundamental para a sobrevivência. No ano passado, por exemplo, todas as fantasias e alegorias da escola _ que haviam sido produzidas especialmente para o espetáculo _ foram vendidas para uma agremiação de Artigas, no Uruguai.
Festa não fica "escondida"
A união da sociedade local pode ser o diferencial de Uruguaiana. É no que aposta o professor de história Luciano Dias Desessards, 43 anos, que lançou na semana passada, ao lado do historiador Daniel Fanti, uma revista comemorativa apresentando em textos e fotografias as primeiras folias na cidade, entre 1875 e 1950. Luciano pesquisa o Carnaval de Uruguaiana há 20 anos.
– O nosso maior diferencial é que toda a sociedade sempre se envolveu, não há separação entre pobres e ricos. O Carnaval une todas as classes sociais em Uruguaiana e é feito na principal avenida da cidade, não fica escondido, como ocorre em Porto Alegre – alfineta.
Natural da cidade e carnavalesco da carioca União da Ilha do Governador, Severo Luzardo Filho é também responsável por colocar a Rouxinóis na Avenida e um incentivador do evento como manifestação popular.
– O Carnaval precisa ser entendido como uma cadeia produtiva, que se bem administrada pode render lucros para todos, do artesão à rede hoteleira. Em Uruguaiana, toda a rede hoteleira está lotada para os três dias de evento. O que precisa deixar de existir em Porto Alegre é o preconceito com o desfile. O resto é muito trabalho e transparência na gestão para que os apoiadores possam surgir sem desconfiança – ensina.