Atravessado por crises políticas e econômicas, catástrofes humanas e naturais, 2016 chega ao final marcado pela desesperança. A vinda do novo ano parece não atenuar esse sentimento, pelo contrário: poucos esperam que 2017 seja melhor. Apesar de compartilhar da desesperança, resisto a entregar-me ao apelo do cinismo e do derrotismo, à espera depressiva de que um meteoro acabe com tudo. Inspirado nas Seis propostas para o próximo milênio, do escritor italiano Italo Calvino, compus uma pequena lista para enfrentar o próximo ano:
1) Escuta – Nos habituamos a nos expressarmos, mas cada vez temos menos disposição a dar ouvidos ao que o outro tem a dizer. Vai além de ouvir para, em seguida, nós mesmos falarmos: é um esforço ativo para reconhecer a legitimidade da posição do outro, mesmo – e talvez sobretudo – quando vai de encontro ao que sabemos e pensamos. Escutar implica sempre uma perda, mesmo que mínima, das próprias certezas.
2) Delicadeza – Essa característica, mais frequentemente associada ao feminino, diz da forma como nos apresentamos ao outro. Não se trata de se eximir de manifestar sua posição, mas de como se escolhe colocá-la. Encontrar, a cada situação, da mais banal à mais profunda, a melhor forma de conectar com o outro, é um desafio diante da indiferença e da violência que marcam os laços na atualidade.
3) Compaixão – Considerada uma virtude em muitas religiões, não é ter pena dos menos favorecidos, em uma atitude paternalista e arrogante: coloca-nos o desafio de entender que o outro carrega uma dor da qual pouco sabemos. Se temos uma relação um pouco menos defensiva com nossa própria fragilidade, podemos também aceitar a do próximo – mesmo que se manifeste, muitas vezes, de formas que não compreendemos ou até repudiamos.
4) Leitura – Hiperconectados, nos consideramos mais bem informados do que nunca. O apelo ao atual, porém, nos faz esquecer que a humanidade tem uma caminhada milenar, cheia de conquistas, mas também de horrores. Debruçar-nos sobre os textos que nos constituíram, filosóficos, históricos ou literários, nos ajuda a colocar em perspectiva o que, presos no presente, pode nos paralisar em perpétuo espanto.
5) Reflexão – Nos acostumamos à rapidez nos deslocamentos, no acesso aos bens, na comunicação, nas decisões. Na premência de estarmos à altura dessa velocidade, nos sentimos convocados a responder de imediato aos estímulos, o que pode nos deixar presos às paixões, guiando nossas ações pelo que sentimos no instante. Dedicar tempo ao exercício do pensamento antes de agir é uma tarefa preciosa para não ficar preso à lógica da urgência.
6) Humor – Somos campeões de memes, o que não necessariamente nos faz bem-humorados. É fácil zombar da desgraça alheia; difícil é rir das próprias vergonhas e fracassos dos quais, examinando bem, todos temos, individual e coletivamente, uma bela coleção. O bom humor não é resignado e cínico, mas companheiro indispensável da existência – sobretudo em tempos desesperançados e sombrios.
Para 2017, não desejo que encontremos uma ilusória esperança. Desejo sim que possamos encontrar, sozinhos e acompanhados, formas criativas de fazer frente aos desafios que, cotidianamente, a desesperança tem nos colocado.
Paulo Gleich escreve mensalmente para o Caderno DOC.