Amais de mil quilômetros de casa, a empresária Cristina Prestefelippe, 38 anos, recebeu a notícia que mudaria seus planos por completo. Era noite de sexta-feira, a família havia chegado na véspera à praia da Barra do Sahy, em São Paulo, e tinha o feriadão pela frente, mas o telefonema de Porto Alegre trouxe uma notícia perturbadora:
– O cachorro fugiu!
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Protagonista de uma história de amor arrebatado, Rocco, adotado havia apenas uma semana, ficara aos cuidados de um conhecido para que Cristina, o marido, Eduardo, e a filha, Rafaela, embarcassem para a viagem programada. Num descuido, o animal escapuliu pelo portão e saiu em disparada, desaparecendo pelas ruas da Vila Conceição, na zona sul da Capital. Desesperada, ela improvisou um plano de emergência à distância e pediu socorro a quatro amigos, que saíram atrás do animal. As buscas infrutíferas se encerraram à meia-noite, e antes que a empresária amargasse a madrugada em claro a decisão estava tomada: o casal retornaria ao Rio Grande do Sul no dia seguinte, no primeiro voo possível.
– O que vai ser da gente sem ele? O que vai ser dele sem a gente? – angustiava-se Cristina.
Uma mistura peluda em tons de preto, branco e cinza sem raça definida, o cão surgiu vagando pelas ruas do condomínio dos Prestefelippe, no bairro Agronomia, em outubro. Parecia indeciso: queria contato, acompanhava mães e seus carrinhos de bebê nos passeios, mas saía correndo quando alguém tentava se aproximar para alimentá-lo. Apesar de ter sofrido duas perdas marcantes – Igor, um buldogue inglês ainda filhote, engasgou-se com um osso, e John, da mesma raça, não resistiu a um infarto –, Cristina estava inclinada a satisfazer o desejo de Rafaela por um pet quando cruzou com o forasteiro.
– Quem sabe ele? – cogitou.
O novo morador da casa chegou em um final de tarde do início de novembro, e naquela mesma noite já atendia pelo nome escolhido para batizá-lo. Bem-comportado, tranquilo, parecia querer agradar para garantir a permanência. Nem seria preciso tanto empenho – Cristina e Rafaela já estavam apaixonadas. Não fossem algumas vacinas faltando, Rocco teria embarcado junto para o litoral paulista.
– Eu tive uma coisa muito louca com esse cachorro – recorda a empresária.
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Cristina e Eduardo voltaram a Porto Alegre sem bagagens, para que o despacho das malas não os fizesse desperdiçar valiosos minutos nos aeroportos de partida e destino. Chegaram ao Salgado Filho e pegaram um táxi rumo à Avenida Otto Niemeyer, onde o foragido havia sido avistado brevemente pouco antes. A desolação da filha os movia.
– Eu quero um cachorro, mas não quero outro. Quero o Rocco – implorou a menina de oito anos.
Seguiram-se jornadas, a pé e de carro, que se estendiam por até 14 horas. Voluntários engrossaram o time que percorria o comércio espalhando cartazes de "procura-se": "Qualquer informação, ligar a cobrar. Oferecemos recompensa". Fotografias mostravam Rocco, com uma tosa estilo schnauzer, em duas poses: de boca aberta e "sério". A mensagem se multiplicava também nas redes sociais.
O suplício avançava pela quarta-feira quando a cliente de um mercadinho reconheceu o cão nas imagens e telefonou para orientar sobre sua provável localização. A operação de resgate durou mais de um dia e envolveu incursões a matagais. Assustado, sujo, repleto de carrapatos e pega-pegas, Rocco foi encontrado embaixo de uma casa, rodeado por lixo, a 2,5 quilômetros de onde havia escapado. Ao ser envolvido pelo abraço de Cristina, o cusco choramingou e abanou o rabo freneticamente. “Missão cumprida”, pensou ela, em prantos, ao final do pesadelo de quase uma semana.
– Fica uma lição muito legal, de ter fé, persistência. Para mim, era uma coisa impossível. Eu queria que desse certo, mas pensava: será que sigo alimentando isso? – lembra, com o mascote deitado a seus pés, enfeitado com um lenço em que se lê all you need is love ("tudo de que você precisa é amor").
No próximo final de semana, os Prestefelippe vão viajar outra vez, um passeio que também foi agendado antes da adoção. Rocco estará sob um esquema de vigilância reforçado, sendo acompanhado por dois cuidadores fixos, um pela manhã e outro à tarde, fora os vizinhos que se disponibilizaram para visitas e brincadeiras eventuais. Cristina tenta disfarçar a aflição com bom humor: pediu que lhe sejam enviadas fotos do cachorro ao lado de uma edição do jornal de cada dia, para que possa se certificar de que ele está bem.