Completam-se 15 anos neste mês que Sandra Domingues Kuplich, 68 anos, tomou a decisão de espalhar os restos cremados do marido, Paulo Adão Kuplich, no mar de Atlântida – local onde ele pescava e no qual gostava de estar em momentos de folga. A decisão, acertada junto ao filho mais velho e compartilhada com o restante da família, teve como objetivo poupar os pais do falecido, já idosos, de uma cerimônia de despedida prolongada.
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– Tínhamos jazigo para colocar o corpo, mas seria um sofrimento mexer no jazigo da família. A cremação é menos sofrida – relata.
Definido logo após Sandra e o filho ficarem sabendo da morte de Paulo, que estava internado na UTI devido a um câncer, o ato foi bem anterior à nova orientação da Igreja Católica, que agora recomenda a seus fiéis que os corpos de pessoas mortas sejam sepultados em cemitérios ou lugares sagrados, mas Sandra diz que a mudança talvez não a fizesse mudar de ideia:
– Na minha visão, o mar é tão santo quanto um cemitério. Agora, ainda com essa orientação, talvez eu me definisse novamente pelo mar. Sou católica, mas não sei se seguiria a instrução.
O documento da Igreja, divulgado na semana passada, afirma que não há razões doutrinais para impedir as cremações, mas lista condições para o armazenamento.
São esses termos que diferenciam a nova orientação daquela que foi estipulada a partir de 1963, quando foi dito que a prática não era considerada "em si mesma contrária à religião cristã", apesar da ideia de conservar o costume de enterrar cadáveres de fiéis. Entre as novas recomendações, estão manter os restos cremados em lugar sagrado, não dividi-los entre familiares, não dispersá-los e não colocá-los sob forma de recordação comemorativa, como em joias.
– Nossa tradição sempre venerou os lugares sagrados onde ficam referências de pessoas que marcaram nossa fé. Por isso, um local de referência para rezar por elas e recordar sua presença no mundo – explica dom Leomar Brustolin, bispo auxiliar de Porto Alegre.
– A grande orientação é para que nenhuma prática contrarie nossa esperança cristã na ressurreição.
A Igreja Católica está presente em diversas culturas e, em muitas delas, a cremação é recorrente. Por isso, ainda na década de 1960, a instituição se manifestou sobre a prática, mesmo que a fé na ressurreição da carne a ligue ao enterro dos corpos. Professor de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), o frei Luiz Carlos Susin ressalta que a ideia do documento é mostrar que os restos cremados devem ser tratados "de forma adequada":
– Tem de saber tomar distância da cinza, guardá-la fora do cotidiano, senão o luto fica inadequado, não se termina nunca de fazer velório. Outra (recomendação) é não fazer dela quase um produto de luxo, de consumo, colocando num colar ou chaveiro, pois você transforma os restos de uma pessoa que merece respeito de alteridade em um objeto de adorno.
Cresce procura pela modalidade
Para o presidente do Sindicato Nacional dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil (Sincep), José Elias Flores Jr., a cremação é crescente no Brasil e, de forma geral, no mundo.
– Não tenho conhecimento de algum país que tenha o índice em queda.
No Japão, por exemplo, representa quase a totalidade. No Canadá, mais de 70% – afirma Flores Jr.
Ele conta que Porto Alegre e Região Metropolitana apresentam crescimento de 7% a 10% ao ano; em 2015, o número representou 20% do total de óbitos:
– A cremação não impede que haja o sepultamento. Mas a maior parte das pessoas opta por não guardar os restos cremados. No Brasil, esse índice não é superior a 20%.