"CADÊ O AVIÃO
DO MEU PAPAI?"
– Bernardo gosta de surpresas – diz o menino no caminho para o aeroporto de Caxias do Sul.
Ele estava morrendo de saudade do pai. A rotina da editora faz com que Fábio viaje bastante.
Dois dias antes, o pai disse a Flávia que não precisariam buscá-lo no aeroporto de Caxias. Não queria que o filho faltasse à fisioterapia. Mas aquela quarta-feira de agosto era a data da festinha de Dia dos Pais na escola Pequeno Ser, e Flávia queria lhe fazer uma surpresa. Por esse motivo especial, Fábio decidiu antecipar em um dia o retorno de São Paulo.
Quando mãe e filho chegaram ao aeroporto, o menino ficou ansioso diante da grande parede de vidro do segundo andar que divide o saguão da pista de pouso.
– Cadê o avião do meu papai? Desce papai, desce!
Passou a olhar o relógio que sua mãe lhe emprestara. Vez e outra abandonava o mirante, abria os braços e imitava as asas do avião:
– Zumm! Zumm!
Quando finalmente o avião aterrissou, gritou de alegria.
– É o papai! É o papai! Tá vindo meu papai!
Flávia e Bernardo bateram no vidro, mas a distância impedia que ele os ouvisse. Os dois desceram correndo as escadas em direção à porta de desembarque. Quando avistou o pai, o menino driblou o segurança e correu em sua direção. Fábio abriu os grandes braços e sorriu, esperando o filho jogar-se em seu colo. Dali foram juntos, grudados um no outro até a esteira das bagagens. Flávia esperou do outro lado, observando o carinho de ambos.
– Tinha certeza de que eles não estariam aqui. Quando os vi lá embaixo, foi fantástico – contou Fábio.
Já em casa, decidiram almoçar fora. Foram para um shopping de Caxias. Escolheram, no mesmo restaurante de costume, um canto mais reservado, perto da janela, com vista para a rua. Bernardo bebia suco de melancia e, impaciente, equilibrando-se na cadeirinha, pediu para comer a sobremesa antes do almoço:
– Sagu, sagu!
Enquanto a mãe servia a comida no bufê, Bernardo olhou a flor que decorava a mesa e disse:
– É pra mamãe!
Flávio estava a cada dia mais admirado com o filho.
– Pelo menos nesse meio em que o Bernardo convive, entre família, escola e amigos, vão ver o nanismo de outra forma – orgulha-se.
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É como pensa e foi educado o geneticista Wagner Baratela, que é filho de pais com estatura normal:
– Fui para a escola, saía, nunca fui escondido por causa disso. Se meus colegas ganhavam um skate, eu ganhava também; se eu não conseguia andar em pé, eu andava deitado. É por aí, sem preconceito, natural, conversando com a criança, explicando as diferenças.
Em Caxias, depois do almoço em família no shopping, Fábio foi até a editora encaminhar alguns negócios antes da apresentação na Pequeno Ser. No caminho da escola, ele não escondia a ansiedade:
– Tô com a expectativa alta. Perdi a passagem e comprei outra. Não tinha como não vir. Jamais perderia.
Já no hall de entrada da Pequeno Ser, Fábio deparou com um mural de retratos das crianças. Tenso e com o celular na mão, a cena relembrou o dia do nascimento do filho. Mas o pai demorou para localizar a imagem de Bernardo.
– Estou nervoso, não consigo achar – confessou.
Ficou ali, inquieto por um tempo. Até que o sorriso lhe tomou a face, sacou o celular e registrou aquele momento. Bernardo estava no topo, um pouco acima do centro do mosaico de fotografias. De braços abertos e sorriso estampado, com a seguinte mensagem: "Do tamanho do mundo".
Lá dentro, Bernardo entoava a canção junto das outras crianças:
"Olá, papai, como vai você, que bom te ver aqui mais uma vez... Você é importante para mim... Quero ser importante pra você".
A homenagem foi singela, mas o suficiente para emocionar quem tanto sonhara em se tornar pai:
– Eu quero um futuro bom para o Bernardo. Nós estamos ensinando valores para ele. Antes de qualquer coisa, ele é o meu filho.
"EU NÃO ERA UMA PESSOA
TÃO BOA QUANTO SOU HOJE"
Durante algum tempo, Flávia viveu um certo tipo de luto. Não tinha interesse em fazer amizades e era até meio antissocial. Ela, o marido e a família choraram juntos. Mas não transformou sua vida num drama. Conforme iam entendendo e se abrindo para um novo mundo, as pessoas de sua relação começaram a ver o nanismo de maneira diferente.
– Aquela criança que eu idealizei, aquele filho, ele se foi para abrir espaço para uma criança que eu nunca tinha imaginado – analisa a mãe.
Hoje, a vida de Flávia se tornou um livro aberto. Conheceu muitas pessoas e mudou radicalmente.
– Eu não era uma pessoa tão boa quanto eu sou hoje. É muito diferente, eu faço questão que as pessoas saibam que eu sou mãe do Bernardo.
Ela evitava as redes sociais até que um vídeo dela com Bernardo em homenagem ao Dias dos Pais fez sucesso num grupo de acondroplasia no Facebook.
– Flávia, as pessoas estão elogiando, estão achando teu filho lindo, ele é fantástico – contou o videomaker Carlo De Bortoli.
Curiosa para saber o que estavam falando do filho, ela entrou na rede social e também no grupo. Acolhida e cheia de amor, resolveu então abrir seu coração num post contando a história da família.
– Fiz um texto inspirado, botei umas fotos nossas... Passei uma semana chorando com o que as pessoas escreviam. Foi uma injeção de ânimo. Pessoas que jamais imaginei que escreveriam escreveram.
Flávia virou referência para mulheres grávidas, mães e famílias que convivem com o nanismo. Até hoje elas a procuram para conversar e tirar dúvidas.
– Acontece muito de estarmos na rua e as pessoas nos pararem: "Bernardo, até que enfim vou te conhecer!". Isso é muito bom, esse carinho que as pessoas tiveram e têm comigo.
"EU TAMBÉM SOU
PEQUENO GIRASSOL"
Em uma tarde de agosto, Bernardo está sentado num tapete formado com letras do alfabeto, concentrado na realização da tarefa proposta pelas professoras do Maternal II na escola Pequeno Ser. Ele e os coleguinhas manuseiam peças coloridas e criam personagens.
– O que o Bernardo está montando? – pergunta a professora.
– É a mamãe – responde ele.
Em seguida, juntando novamente as peças com destreza, ele revela sorridente:
– Agora vou montar o meu papai. Papai é grande!
No fundo da sala, toca um CD de músicas infantis. Bernardo é o primeiro a cantar: "Um girassol / Florido no jardim / Buscando a luz do sol / Sorriu para mim. Eu também sou / Pequeno girassol / Buscando a luz de Deus / Sou feliz assim". A canção antecipa a chamada para a hora mais esperada pela turma.
– O que tem lá no pátio?
Bernardo novamente é o primeiro a gritar:
– Sol, sol, sol!
Antes de correr em direção à porta de vidro que leva ao pátio da recreação, ele ouve com atenção as orientações da professora, que lhe põe um boné na cabeça. Um degrau antecipa a saída para o gramado verde, cercado de muros com desenhos coloridos. Cuidadosa, a professora aproxima-se para ajudar. Independente, o pequeno olha para o alto e recusa:
– Sozinho!
Com as outras crianças, ele ziguezagueia de um lado para o outro, explorando cada um dos brinquedos. Tem bola, bambolês, gangorras. Diante de um balancinho com ares de jacaré, Bernardo recua. Um coleguinha se aproxima do brinquedo e tenta subir, mas tem medo. Bernardo parece já entender o tamanho da sua grandeza. Estende os braços em direção ao amigo e diz:
– Eu ajudo.