Há alguns dias, moradores do Tristeza ficaram confusos – alguns, até revoltados – com uma campanha nas redes sociais que pregava a mudança do nome do tradicional bairro de Porto Alegre. Os organizadores chamavam todos para um debate na praça Comendador Souza Gomes para discutir a questão. "Vamos falar sobre a Tristeza?", convocavam.
No entanto, quem se aproximava do local no dia marcado – este sábado – já via balões amarelos à distância. Às 10h, houve a revelação: nada daquilo tinha a ver com mudar o nome do bairro. Tudo foi uma ação voluntária arquitetada por uma agência de publicidade para o Centro de Valorização da Vida (CVV) como uma forma de chamar a atenção para o 10 de setembro, Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. Afinal, o objetivo era mesmo esse, falar sobre a tristeza, o sentimento que, na maior parte das vezes, é abafado pelo silêncio. Nos materiais da campanha, constava o número do CVV no Rio Grande do Sul, o 188, para quem alertar a quem busca ajuda.
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– Falar sobre a questão é essencial. Tudo aquilo que é desconhecido não tem como ser enfrentado. Temos que quebrar esse tabu. Precisamos que as pessoas conheçam onde podem buscar ajuda e identificar quando familiares ou amigos necessitam de socorro – diz Alethea Sperb, de 64 anos, médica e uma das coordenadoras da ação no CVV.
As atividades propostas durante este mês, o Setembro Amarelo, querem estimular o diálogo sobre o suicídio. Na praça, havia murais com informações sobre doenças mentais, dados sobre saúde pública e oficinas de meditação e origami.
– Vim aqui só para protestar, mas vi sobre o que se tratava e me desarmei. No Facebook se falou em todo tipo de coisa. Mas no final foi bom, eu não conhecia o Setembro Amarelo – diz o aposentado Claudio Gall, de 66 anos, que mora há 36 no bairro.
Mensagem foi ambígua para atrair público maior
No grupo criado na rede social chamado de "Não vai mudar. A Tristeza Está Feliz Assim", com mais de mil usuários, dezenas de moradores expressaram sua indignação contra a proposta de mudar o nome do bairro nos últimos dias. A reação era esperada pelos organizadores, que revelam que essa foi uma forma de impactar mais pessoas em relação à causa.
– O ideal não é precisar fazer isso, mas o tema não é agradável, então fica difícil trazer pessoas para falar sobre isso. Talvez não teríamos a mesma atenção se não fosse desse jeito. O Setembro Amarelo ainda não tem a mesma notoriedade do que o Outubro Rosa, por exemplo – afirma o publicitário Mauricio Oliveira, de 38 anos.
Na cerimônia de abertura das ações, estava presente o prefeito José Fortunati, que disse ter ser espantado com os números relacionados ao problema. Mais de 800 mil pessoas cometem suicídio por ano no mundo. No Brasil, são 32 mortos diariamente, taxa superior à de vítimas de aids. O Rio Grande do Sul lidera os registros no país, com 10,4 casos a cada 100 mil habitantes, o dobro da média nacional.
Parceira da ação, a Associação de Psiquiatria anunciou um Comitê de Prevenção ao Suicídio, que deve discutir e promover treinamentos e capacitação gratuita para médicos e agentes de saúde identificarem pessoas em situação de risco. O Ministério Público pretende fomentar o debate sobre a criação de políticas públicas de prevenção ao suicídio.
– A ideia é sensibilizar a população para procurar ajuda e que ninguém precisa sofrer sozinho. Com esse comitê vamos organizar uma rede para capacitar profissionais de saúde, já que boa parte não sabe lidar com a situação – diz Rafael Moreno, de 34 anos, psiquiatra e coordenador do comitê.
No final das contas, a ação fez mudar de ideia quem chegou de cara feia à praça.
– Foi uma bela surpresa por ser algo a favor da vida – comentou a aposentada Maria de Lourdes Tamanchievcz, de 55 anos.