Difícil achar quem possa bater no peito e dizer que não tem dívidas. Tê-las pode ser necessário para a aquisição de patrimônio ou para uma emergência. Agora, quando sair delas parece impossível, a coisa é séria. E o pior é que a maioria dos brasileiros nem tem ideia do tamanho do problema: 60% dos consumidores não sabem quanto estão devendo.
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Aí está a diferença entre os endividados e os superendividados: os primeiros fazem uma dívida para a aquisição de um bem. Os segundos não conseguem pagar todas as dívidas e se veem obrigados a pedir emprestado para pagar suas contas. O dado é de pesquisa realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL). E 36% não sabem também para quantos estão devendo. Eles podem se enquadrar na categoria dos superendividados.
– O superendividamento traz efeitos além dos econômicos, mexe na autoestima, nos relacionamentos. O tema deve ser contemplado em uma atualização do Código de Defesa do Consumidor – diz a juíza e professora Clarissa Costa de Lima, coordenadora do Observatório do Crédito e Superendividamento do Consumidor da Ufrgs.
Ela reforça que o desemprego, um caso de doença na família ou outros imprevistos podem ser gatilhos para colocar uma família nas situações reveladas pela pesquisa, divulgada em março.
– Os níveis gerais de endividamento são muito altos. Percebeu-se uma leve queda em junho, pode ser mais gente tentando pagar o que deve. Mas é cedo para falar. Desempregados com cartão de crédito, por exemplo, são cenário que preocupa – avalia Cláudia Rodrigues, coordenadora do curso de Ciências Econômicas da Fadergs.
À procura de negociação
Em Porto Alegre, o Poder Judiciário oferece a Conciliação Pré-Processual de Superendividamento do Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania (Cejusc). Entre 150 e 200 atendimentos são realizados todo o mês no Foro Central.
– É o devedor quem nos procura, e ele tem de querer pagar a dívida. Então, chamamos os credores dessa pessoa para renegociar o débito. Vemos que muitas pessoas, por falta de planejamento, acabam nessa situação por imprevistos como doença e desemprego – conta a juíza e coordenadora do Cejusc Central, Geneci Campos.
Diante de conciliadores como Márcia Silveira, devedor e credores tentam se acertar. Há seis anos no projeto, ela consegue perceber o perfil atual de quem está com a corda no pescoço: pessoas com empréstimos consignados (aposentados, principalmente) e com cartões de supermercados ou lojas.
– Conseguimos reduzir muito os juros. Daqui, o devedor sai com o compromisso de cumprir o acordo. O importante para chegar aqui é aceitar que tem o problema – afirma Márcia.
Segundo o educador financeiro Adriano Severo, não é preciso chegar à situação extrema de ter mais dívidas do que salário no final do mês para se considerar superendividado. Para ele, bem antes já se deve ligar o sinal de alerta.
– O máximo da renda que pode ser comprometido com dívidas é 30%. Depois disso, já se deve ligar o alerta e revisar as contas. É o momento em que ainda se pode evitar o pior – adverte ele.
Destelhamento foi estopim
O rodoviário aposentado Carlos Pinheiro, 57 anos, não vê a cor do dinheiro de quase 40% do seu benefício. Ele diz que mais de R$ 900 da aposentadoria, de cerca de R$ 2,5 mil, são descontados por conta de empréstimos consignados. Para o que sobra, muitos destinos.
– É aluguel, alimentação, vestuário, remédios. Sou hipertenso, diabético e tenho problemas cardíacos. Mas, hoje, eu me considero meio a meio em matéria de endividamento – avalia.
Carlos diz isso porque consegue ver uma luz no fim do túnel, diferentemente de oito anos atrás, quando um vendaval destelhou a casa dele e da filha no Bairro São Tomé, em Viamão. Ali, começou uma superdívida. Entre consignados e outra linha de crédito no banco para dar conta da obra, chegou a ter mais de R$ 7 mil a pagar.
Quando não sobrava nada da aposentadoria, começou a entrar no cheque especial. Ele conta que tentou renegociar a bolada, mas o banco não quis conversa. Por fim, levou a questão à Justiça, onde ainda tramita. Agora, recebendo a aposentadoria em outro banco, avista o fim dos consignados e é otimista com o resultado da ação.
– Até o próximo ano, eu termino de pegar os consignados. Não quero mais saber de empréstimo. Se tem a ilusão de que vai resolver um problema, mas se entra em outro – alerta o aposentado.