As mazelas do sistema público de saúde no Rio Grande do Sul estão escancaradas nas principais portas de entrada dos hospitais de Porto Alegre. A superlotação nas emergências e as longas filas nos prontos-atendimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) não chegam a ser novidade na Capital – mas a situação está ainda pior neste ano.
De acordo com a Secretaria de Saúde de Porto Alegre, o número de atendimentos realizados na atenção básica e nos serviços de urgência aumentou quase 20% no primeiro quadrimestre de 2016, em relação ao mesmo período do ano passado. E a complexidade dos casos que chegam às emergências da cidade também teriam levado a uma maior demanda por leitos hospitalares, como sugerem profissionais que acompanham a situação de perto.
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– Chegamos a outro patamar de superlotação da emergência neste ano. De junho para cá, passamos por momentos em que o número de pacientes à espera por leito chegou próximo a 170, quando a média costuma ser de 125. Um aumento de demanda deste nível significa muito em um sistema que já vive à beira de um colapso – afirma Ricardo Kuchenbecker, chefe do serviço de emergência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), uma das principais instituições de saúde do Estado.
A época de frio e umidade contribui para a sobrecarga do setor primário, mas justifica somente parte da situação. A alta demanda por atendimento e, sobretudo, o represamento de pacientes nas emergências têm uma série de fatores como causa, dos quais se destacam a redução de mais de 200 leitos na Capital nos últimos cinco anos, o fechamento de serviços especializados no Interior e o consequente aumento dos casos de alta complexidade encaminhados para Porto Alegre.
Uma espera longa e angustiante
A perspectiva é de que as filas por atendimentos e leitos não encolham tão cedo. Diante de tantas motivações e poucas soluções, quem sofre são pacientes que, à espera de assistência, amontoam-se nas emergências. Na última quarta-feira, 152 pessoas recebiam os cuidados no serviço do Hospital de Clínicas, que só conta com 41 leitos. Entre os enfermos que se apinhavam, estava Marisa Freitas da Silva, 26 anos, diagnosticada com câncer de mama há dois anos. Na última sexta-feira, a jovem se sentiu mal. Tinha dor de cabeça e, por vezes, parecia se "desconectar do mundo".
– Fomos duas vezes para a emergência do hospital da nossa cidade, Santana da Boa Vista. Ela recebeu injeção para dor, mas disseram que deveríamos trazê-la para Porto Alegre, onde ela faz todo o tratamento do câncer – contou a mãe, Maria Sirlei da Silva.
A paciente, então, tomou o caminho para a Capital. Por volta das 9h da segunda-feira, Marisa chegava ao HCPA, trazida por um carro da prefeitura de Santana da Boa Vista. Passou pela triagem da emergência e, por volta das 14h, segundo a família, recebeu os primeiros cuidados. Sem leito nem maca, passou as 60 horas seguintes sobre uma cadeira de rodas nas dependências do hospital.
– Estou desesperada. Fizeram os exames e disseram que o câncer se espalhou para a cabeça. Nessa madrugada, colocaram ela em uma maca, ainda na emergência. Agora, espera por um leito, mas não tem previsão de conseguir – relatou Maria Sirlei à reportagem, na tarde de quinta-feira.
Atendimento deveria apenas começar ali
Se o sistema funcionasse, Marisa não ficaria mais do que algumas horas sob observação na emergência, enquanto aguardaria os exames. Após esse período, seria deslocada para um leito, onde receberia os cuidados especializados. Lutando contra a doença, Marisa é vítima ainda de uma demora que desqualifica o trabalho da assistência – e que não atinge só o serviço prestado no HCPA. Na emergência do SUS da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, o atendimento está restrito a casos graves. Na terça-feira, 36 pacientes recebiam os cuidados de uma estrutura formada para atender, no máximo, 24 leitos.
– As pessoas ficam amontoadas nos corredores, muitas com doenças infectocontagiosas. Isso ocorre em qualquer hospital. As emergências deveriam ser locais de passagem, mas são onde, muitas vezes, o tratamento está sendo iniciado e concluído. Os pacientes estão sendo tratados, examinados e manejados na porta do hospital. Isso quando conseguem chegar até ali, porque muitos ficam nos postos de saúde e nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) – lamentou Leonardo Fernandez, chefe das emergências da Santa Casa.