Visitas restritas, rotina que inclui momentos raros de diversão, além de dor e mal-estar. A internação em um hospital não é uma experiência agradável e pacientes, principalmente as crianças, contam os dias para deixar o local. Uma parceria de unidades médicas e ONGs, no entanto, espera tornar o ambiente mais alegre com a possibilidade de levar animais de estimação ao encontro das pessoas internadas. Para regulamentar a prática, um projeto de lei tramita na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc).
– Sou totalmente a favor da presença de animais. Principalmente no atendimento de crianças e idosos.
O hospital é um lugar muito austero e a vinda de um animal transforma isso em algo mais descontraído. Uma criança com quatro anos não se sente bem e nem entende tudo o que acontece, o que se passa ali. A espontaneidade do animal rompe com isso e é muito bem recebida – diz Carlos Schoeller, diretor do Hospital Infantil Joana de Gusmão, em Florianópolis.
A unidade já recebeu por duas vezes a visita de cães, em ações organizadas pela ONG Cão Amigo e Cia., de Florianópolis, que reúne interessados em levar seus próprios pets para animar pacientes. Trabalho similar é desenvolvido pela Trapapet, na ala de psiquiatria do Hospital Santa Catarina, em Blumenau.
Nas duas organizações, dono e cão são avaliados na fase de experiência. O quatro patas passa por treinamentos que observam reações de comportamento. Como pré-requisitos básicos, vacinas e banho devem estar em dia.
– Não é qualquer animal que pode participar de uma ação assim. É preciso deixar claro que falamos de pets cuidados e bem tratados. Fazemos todo um trabalho para garantir que o cão esteja apto a conviver com estranhos em um ambiente que exigirá um comportamento adequado – explica Karine Arendt, coordenadora geral da Cão Amigo.
Unidades têm autonomia para definir as regras
Schoeller explica que é evidente que esse encontro não ocorrerá em lugares mais sensíveis do hospital e que pode também ser feito nos jardins ou no quarto dos pacientes. Esses cuidados evitarão acidentes e outros problemas.
– O bom senso deve sempre imperar. O paciente tem que querer, não pode gerar desconforto para outros pacientes, e devem estar claros os níveis de responsabilidades de todos os envolvidos. Na verdade, a própria necessidade de lei é questionável, já que esse tipo de ação pode ocorrer se o hospital permitir e tiver os cuidados – destaca o médico.
Não há lei que proíba a entrada de animais em hospitais e a decisão de receber é das instituições hospitalares.
O objetivo do deputado estadual Vicente Caropreso (PSDB), neurologista e autor do projeto de lei na Alesc, é regulamentar e organizar processos e requisitos para que a visita possa ocorrer com mais frequência e de forma segura para todos os envolvidos, inclusive os pets.
No documento, que atualmente tramita na Comissão de Finanças e Tributação da Assembleia, há diversas observações como uma lista de nove lugares, como unidade de tratamento intensivo (UTI) e central de material e esterilização, onde a presença dos pets será proibida.
O projeto também menciona que o médico deve emitir uma autorização para a visitação e diversos pontos de critérios na seleção. Ainda assim, deixa livre para instituição definir as normas, desde que cumpra a legislação.
– A lei organizará essas ações e dará respaldo para quem tiver interesse. Queremos incentivar esta ação, que torna o hospital um lugar mais parecido com a nossa casa – diz o deputado.
Golden retriever anima crianças em Joinville
Quando chega ao Hospital Infantil Dr. Jeser Amarante Faria, em Joinville, com crachá de voluntária, Tosca vira a atração das crianças e dos pais. A golden retriever de quase quatro anos faz as visitas todas as quintas-feiras à tarde desde 2013, acompanhada do educador canino Edy Sales e de uma pedagoga do hospital.
– Muitos se emocionam porque lembram de seus cães. A presença dela melhora o ambiente de maneira incrível, a fisionomia das pessoas muda. É fantástico, contagia todo mundo – afirma Sales.
E não é à toa que Tosca parece o animal ideal para a função. O educador a escolheu pelo temperamento tranquilo, por se adaptar a qualquer situação e por já conviver com crianças. Além disso, pontua, é importante o cão ser castrado e ter saúde e vacinas em dia. A Tosca, por exemplo, passa por um banho caprichado horas antes da visita especial aos pacientes.
E, se depender de Sales, o projeto de cinoterapia – terapia ou atividade realizada com o auxílio dos cães – deve ser ampliado a outros hospitais e entidades de Joinville e região.
Prática frequente em outros países
Animais de estimação em hospitais com o objetivo de tornar a estada dos pacientes mais agradável já é uma prática frequente em países como França, Canadá e Inglaterra. No Brasil, essas ações chamaram mais a atenção quando, em 2012, o Hospital Albert Einstein, de São Paulo, recebeu o selo de certificação Planetree, que avalia o carácter de humanização do atendimento.
Uma das medidas é permitir, com base em critérios pré-estabelecidos, a visita dos pets dos respectivos pacientes.
– A gente achava que só as crianças iriam gostar, mas os adultos e idosos também se interessaram. Tivemos vários casos onde houve reversão do quadro clínico, muito porque o paciente lembra do animal e ganha motivação para se recuperar logo e deixar o hospital – destaca Rita Grotto, gerente de atendimento ao cliente e coordenadora do Planetree.
Rita também ressalta que cada instituição deve ter sua normatização sobre essas visitas, mas que uma lei pode ajudar em uma orientação geral a ser seguida.
No Hospital Albert Einstein, há uma preocupação com os pacientes que não gostam ou não concordam com as visitas. E nesses casos, o contato com os animais, inclusive visual, é evitado.
POR DENTRO DO PROJETO DE LEI
O que diz
A proposta é permitir o acesso de animais domésticos e de estimação em hospitais privados, públicos, contratados, conveniados e cadastrados no Sistema Único de Saúde em Santa Catarina para visitação de pacientes internados. Mas acrescenta que devem ser respeitados os critérios definidos por cada instituição, sendo a comissão de controle de infecção hospitalar livre para impedir o acesso de animais.
Como devem ser levados
Em recipiente ou caixa adequada. No caso de cães devem ter guias compostas por coleiras tipo peiteira e, caso seja necessário, enforcador. O animal deve sempre estar acompanhado de uma pessoa que esteja acostumada com ele
Responsabilidade
O visitante é responsável pelo animal que o acompanha durante todo o período de visitação, mas a instituição sempre responde sobre tudo que acontece internamente do hospital
Proibido
Animais em áreas de isolamento, quimioterapia, transplante, internação de pacientes vítimas de queimaduras, central de material e esterilização, UTI, preparo de medicamentos, farmácia, áreas de alimentação ou manipulação de alimentos
Ainda é preciso
Verificação da espécie, autorização expressa para a visitação expedida pelo médico do paciente, laudo veterinário atestando boas condições do animal e carteirinha de vacinação assinada pelo médico veterinário
Local de encontro
É necessário uma determinação do lugar específico para o encontro entre paciente e o animal, podendo ser o próprio quarto de internação ou qualquer outro espaço disponibilizado pela unidade hospitalar