A professora de Direito Constitucional e Direitos Humanos da PUC-SP Flávia Piovesan aceitou nesta terça-feira o convite do presidente em exercício Michel Temer, seu orientador no mestrado, para assumir a Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Na nova função, defenderá o respeito ao Estado laico e a inclusão das mulheres no debate sobre o aborto.
Flávia vai responder ao ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, a quem se refere como "defensor da ordem constitucional". A professora disse ter "profunda admiração" por Dilma, mas contesta a tese de que a petista foi alvo de "golpe".
Confira a entrevista de Flávia Piovensa ao jornal O Estado de São Paulo:
Estadão - A sra. disse que vai entrar no governo para tentar evitar retrocessos nos direitos humanos. Onde estão esses retrocessos?
Flávia Piovesan - Um dos fatores preocupantes é o que (o sociólogo alemão) Junger Habermas chama de pós-secularismo. ê a articulação cada vez maior de grupos religiosos no Legislativo, o que se torna obstáculo para temáticas afetas aos direitos humanos no campo da sexualidade e da reprodução. Uma das lutas importantes se atém à laicidade estatal, liberdade religiosa de ter qualquer religião ou de não ter qualquer religião ou de mudar de religião, e que haja os dogmas do sagrado separados do público e secular. O Estado não pode discriminar religiões nem pode se misturar com elas. Qual é o desafio? ê pautar o Estado pluralista.
Estadão - No Judiciário a pauta dos direitos humanos avançou, mas no Legislativo há propostas de retrocesso. No Executivo, houve inércia. Como a sra. vai atuar para mudar o quadro no Executivo?
Flávia Piovesan - Houve essa excessiva provocação do Judiciário em razão do silêncio do Legislativo diante de pautas travadas por grupos religiosos. No Executivo, o que me parece fundamental é identificar as prioridades: o tema da violência contra a mulher, do combate à homofobia, intolerância, desigualdades, racismo. ê pautar as grandes questões, o tema das cotas: sou árdua defensora das cotas e as defendi no Supremo.
Estadão - O ministro da Educação, Mendonça Filho, é do DEM, partido que se declarou contra as cotas. Como vai ser sua interlocução com este ministério?
Flávia Piovesan - A minha interlocução é tentar, a partir dos direitos humanos, lembrar que o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, entendeu constitucional as cotas e o quanto elas impactam no sentido positivo no campo da promoção da igualdade e no combate à discriminação. O ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse querer incluir as religiões no debate sobre aborto. Eu acho que tem de incluir as mulheres na discussão do aborto, tem de dar voz às mulheres na discussão do aborto. Aí, nós vamos agregando.
Estadão - Mas qual é o papel das igrejas nesse contexto?
Flávia Piovesan - No Estado democrático todos têm direito a voz. Neste tema, em especial, há de ser ter uma escuta ativa da voz das mulheres.
Estadão - A sra. vai ser esta voz?
Flávia Piovesan - Eu vou tentar. Fui criticada por muitos e parabenizada por outros, mas estou com a consciência tranquila, como uma pessoa que acompanhou o nascimento e crescimento desta secretaria desde 1995. Agora é a hora de eu dar a minha contribuição. Vivemos um momento muito duro de ódio no campo da política, de falta de pluralismo. Eu respeito muitíssimo esse desagrado, este desconforto, mas espero que respeitem minha posição.
Estadão - Como é sua relação com o ministro Alexandre de Moraes?
Flávia Piovesan - Tenho muito respeito por Alexandre de Moraes, fomos professores juntos em 1994. Nossa conversa foi franca e transparente. Ele já sabe de antemão, porque minhas posições são públicas.
Estadão - Ele pode ser considerado um defensor dos direitos humanos?
Flávia Piovesan - Olha, eu creio que já é um grande passo ser defensor da ordem constitucional. A defesa que faço dos direitos humanos é também a defesa da ordem constitucional. Então, neste ponto podemos aí ao menos nos recorrer aos mesmos argumentos.
Estadão - Para finalizar, há críticas ao novo governo. Ele é legítimo?
Flávia Piovesan - Tenho profunda admiração pela presidente Dilma Rousseff, mas não entendo que houve golpe. Há toda uma previsão para o crime de responsabilidade na Constituição. O julgamento é feito pelo Senado, uma Casa política. O papel do Supremo é vigiar a lisura do procedimento, tanto que, seja qual for a solução dada pelo Senado, não cabe ao STF absolver ou condenar. Portanto, não houve o chamado golpe.