Na última década, o bom momento da economia impulsionou dezenas de milhões de brasileiros à classe média. Apoiada por programas sociais, crédito farto e juros mais baixos, muita gente conseguiu colocar o primeiro carro zero na garagem, financiar a casa própria, viajar de avião, ter plano de saúde e entrar na universidade.
Agora endividadas – e com a renda corroída pela inflação e pelo desemprego –, essas pessoas veem-se obrigadas a refazer as contas, cortar gastos e adiar sonhos para não serem levadas à força de volta à base da pirâmide.
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Elaine Raquel é daquele tipo de pessoa que fala com as mãos. Em poucos minutos de conversa, fica difícil não ter a atenção totalmente capturada pelos desenhos imaginários, feitos no ar com a ponta dos dedos. Quanto mais intensa a narrativa, mais ela gesticula. Experimente perguntar sobre algum sonho conquistado ao longo da última década. Você ouvirá – e verá – uma epopeia.
A engenheira ambiental representa de maneira fiel o cidadão brasileiro que, embalado pelo bom ritmo da economia, algum incentivo público e muito suor, conseguiu melhorar de vida e chegar à classe média nos últimos 10 anos. Começou pelo diploma universitário ("o primeiro da família"), em 2008, custeado com suporte do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), depois o carro novo e, logo adiante, a casa própria, ambos também financiados. Na época, o comprometimento de boa parte do orçamento não assustava. O salário era bom, a carreira, promissora, e a empolgação de analistas estrangeiros com o Brasil derrubava a aversão a riscos.
A crise não estava nas contas de Elaine. O primeiro golpe foi a demissão do marido, em junho de 2015. A desaceleração da economia chegou ao canteiro de obras, e André Gomes, que vendia máquinas para construção civil, ficou sem trabalho. Um tempo depois, em outubro, foi a vez da engenheira, que dava aulas no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), perder a vaga. Em menos de um ano, o casal se viu vivendo apenas do seguro-desemprego, com menos de R$ 1 mil por mês, poucas perspectivas de encontrar uma vaga no curto prazo e uma extensa lista de débitos para quitar.
– Começamos a diminuir o que dava. Tranquei a matrícula da pós, cortamos a TV a cabo, o telefone fixo, diminuímos a lista do supermercado. Mas só a parcela do Fies é de R$ 600, e a da casa, R$ 500. Mesmo enxugando tudo o que é supérfluo, começávamos todos os meses devendo R$ 1.100. Acabamos vendendo o carro – resume Elaine.
O avanço rápido da taxa de desemprego – mais do que dobrou no último ano, chegando a 10,9% no final do primeiro trimestre – acendeu o sinal de alerta de especialistas em distribuição de renda no país, que creditam à carteira assinada o principal vetor de ascensão social da nova classe média brasileira. Dados do Ministério do Trabalho confirmam que o infortúnio vivido pelo casal não foi exceção. Março foi o 12º mês seguido em que o país perdeu vagas. Dos 2,6 milhões de demitidos ao longo desse período, ao menos 1,8 milhão ainda não conseguiram recolocação no mercado formal. Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que outros 700 mil brasileiros se somarão à fila de desempregados em 2016.
O fechamento de vagas vem comprometendo, por tabela, outra conquista importante para a população com faixa de renda familiar entre R$ 1.646 e R$ 6.585, considerada oficialmente classe média pelo IBGE: o acesso ao plano de saúde. Após atingir o auge em 2014 (50,5 milhões), o número de usuários de planos médico-hospitalares caiu em 2015, a primeira vez em 13 anos. Foram 766 mil a menos em 12 meses, quase 3 mil cancelamentos por dia – uma queda puxada principalmente pelos contratos coletivos empresariais (405 mil vínculos a menos). Ao perder o emprego, milhares de trabalhadores perdem junto o subsídio oferecido pelas empresas aos planos de saúde – tornando o acesso ao serviço bem mais caro.
– Estamos tratando de famílias que têm acesso limitado ao crédito, emprego no mercado formal e que conseguem sobreviver com alguma decência mas sem a possibilidade de acumulação de recursos. É por essa combinação de fatores que ficam mais expostas a uma queda significativa de poder aquisitivo. São importantes como termômetro do desenvolvimento, pois representam o que acontece com a média das famílias brasileiras – diz o professor de Economia da UFRGS Flávio Comim, doutor pela Universidade de Cambridge.
Comim ressalta que o "caminho de volta" é psicologicamente muito mais doloroso ("Representa uma frustração diferente de um sentimento de aspiração não realizado") e compara a atual crise brasileira com aquela vivida pela Rússia e pela Europa do Leste nas décadas de 1990 e 2000. Ambas as crises afetaram o tecido social dos países em direção a menos democracia.
Crise no país pode "rebaixar" 10 milhões às classes D e E
Estudo realizado pela Tendências Consultoria Integrada, uma das mais respeitadas do Brasil, liderada pelo ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola e pelo ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, estima que, em três anos a crise econômica vá empurrar pelo menos 3,1 milhões de famílias – ou cerca de 10 milhões de pessoas – da classe C para as classes D e E. Para projetar esse número, Adriano Pitoli, coordenador do estudo, considerou que a economia recuaria 0,7% ao ano, que a renda de trabalho, previdência e Bolsa Família cairia 1,2% ao ano e que o desemprego chegaria a 9,3% em dezembro do ano que vem. A realidade dos indicadores sinaliza que o número de pessoas jogadas para a base da pirâmide deverá ser ainda maior. Um dos índices utilizados na estimativa, por exemplo, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), mostra que em março de 2016 o desemprego já batia em 10,9%.
Apesar da reconhecida credibilidade da empresa responsável pelo estudo, a projeção é ponderada por profissionais da academia e por consultorias que acompanham os movimentos da classe média brasileira, que afirmam ainda ser cedo para falar em efetiva redução de classe.
– O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ainda não definiu números consistentes para batermos o martelo. Isso, a meu ver, ocorre de forma mais lenta. O que dá para dizer sem errar é que o poder de compra de grande parcela da classe C se reduziu de forma drástica e isso, no médio prazo, leva ao empobrecimento da população – avalia Renato Meirelles, presidente do Instituto Data Popular, consultoria que há 15 anos acompanha o crescimento e o desenvolvimento da classe C no país.
O empreendedorismo de necessidade
O aumento do desemprego tem forçado um número cada vez maior de pessoas a abrir um negócio. É o chamado "empreendedorismo de necessidade", que visa muito mais à sobrevivência do que à ascensão social. A Pnad aponta que, entre os períodos de fevereiro e abril de 2014 e novembro e janeiro de 2016, o número de pessoas com 14 anos ou mais trabalhando por conta própria subiu de 20,8 milhões para 23 milhões, alta de 10,5%. A Serasa Experian mostra que só em janeiro houve abertura de 166,6 mil novos empreendimentos no país, 10,4% a mais do que no mesmo período de 2015.
Foi o que fez André, o marido de Elaine. Sem conseguir recolocação, decidiu abrir uma oficina de motos, há cinco meses, em imóvel alugado na zona sul da Capital. O dinheiro não foi suficiente para montar a loja do jeito que sonhava, mas até agora, mesmo sem todos os equipamentos desejados, vem conquistando a confiança dos clientes e já começa a ter algum retorno.
Elaine dá suporte sempre que pode, ajudando principalmente na contabilidade e na regularização burocrática da microempresa. Continuou largando currículos, até que duas semanas atrás foi chamada para uma vaga. O salário oferecido é um terço do que costumava receber no último emprego, mas a engenheira aceitou, sem dúvidas:
– Melhor do que ficar parada. A gente estava em uma fase em que teríamos de começar a escolher as contas que iríamos pagar e aquelas que iríamos empurrar com a barriga.
Enquanto a turbulência não passa por completo, Elaine adia projetos. Um deles, porém, não só permaneceu como passou a ser o primeiro da lista: ser aprovada em um concurso público. Duas semanas atrás, ela fez prova para a prefeitura de Porto Alegre. O resultado ainda não foi divulgado.
– Quero garantir estabilidade profissional – diz, apontando as mãos para o céu, quase conversando consigo mesma. – Se Deus quiser.
Primeiro o iogurte, e só depois a internet
De maneira geral, a nova classe média até que foi bastante resistente à crise. A desaceleração econômica iniciada em 2011, que logo se transformou em estagnação e recessão, demorou a chegar, de fato, no bolso das famílias, e só a partir do segundo semestre de 2015 a renda média do trabalhador começou a encolher.
Para especialistas, essa queda mostra a gravidade da crise atual. Foi a primeira vez, em 19 anos, em que a desigualdade voltou a crescer no Brasil. Apelidado de Belíndia na década de 1970 em alusão aos contrastes de um território que abrigava cidadãos que viviam em condições similares à Bélgica enquanto uma maioria vivia com padrão de vida da Índia, o país vinha desde 1996 diminuindo lentamente a diferença entre os mais ricos e os mais pobres. Em artigo publicado em 2014, a revista britânica The Economist, chegou a sugerir que o termo Belíndia fosse substituído por Italordânia – apontando que a renda per capita de alguns Estados do Brasil estaria mais próxima à da Itália do que da Bélgica, enquanto a das federações mais pobres seria três vezes maior que do atual subcontinente indiano e semelhante à da Jordânia. A comparação comprovava o avanço do país ao longo das últimas décadas. Representar países com economias não tão diferentes como Itália e Jordânia é bem mais promissor. Mostra que o Brasil vinha ficando menos desigual.
Dois fatores explicam o certo descompasso entre a piora nos indicadores econômicos (que começou de forma lenta em 2011) e a certa estabilidade na renda da classe C até meados de 2015. O primeiro, mais nítido, foi a manutenção dos baixos índices de desemprego mesmo quando a economia já se encontrava em franca recessão. O fenômeno, que contrariou a lógica da economia, desafiando manuais e intrigando economistas, não impediu que a massa de trabalhadores fosse atingida pelo enfraquecimento da atividade econômica, mas garantiu a sobrevivência para quem tinha carteira assinada. O segundo fator, mais sinuoso, foi a inflação, que até 2014 cresceu impulsionada pelo aumento no custo de serviços como salão de beleza, passagens aéreas e diárias de hotéis. Hábitos menos comuns no dia a dia da classe média e menos pesados no orçamento doméstico da classe C.
Mais do que isso, a nova classe média foi de certa forma beneficiária dessa inflação, já que grande parte atua no setor terciário, onde estão o comércio, o turismo e o transporte. O aumento nos preços dos serviços, naquela época, era reflexo da mão de obra escassa. Com o mercado de trabalho aquecido, as empresas eram obrigadas a pagar mais para manter os empregados – que tinham maior poder de barganha para exigir salários maiores.
Em 2015, quando o dragão voou ainda mais alto e o índice de preços subiu 10,67% em um único ano, aí sim, o cenário ficou mais perigoso. Com o reajuste nos preços administrados, aqueles controlados pelo governo, a alta se concentrou em serviços básicos como água, luz elétrica, combustível e transporte público. Essa inflação pouco impacto teve entre os mais ricos, mas drenou parte substancial da renda da classe C, principalmente aquela destinada a pequenas mordomias.
– A economia já vinha com problemas. O juro já estava mais alto, o câmbio oscilava fortemente havia tempo, o crédito era mais restrito desde 2013. Mas foi em 2015 que subiu a "sensação térmica" da crise para a classe C, porque o desemprego e a inflação derrubaram, de fato, o poder de compra – diz Maurício de Almeida Prado, sócio-diretor do Plano CDE, consultoria com foco em baixa renda.
Parte do "colchão" fornecido pelo programa de proteção social, que retarda os impactos da retração na economia, deve minguar neste ano com a continuidade do fechamento de vagas de carteira assinada iniciado em 2015. A renda das aposentadorias é que ainda deve continuar tendo peso importante para amortecer as perdas salariais.
Conscientes do orçamento mais apertado, famílias trataram de aplicar um ajuste fiscal nas contas domésticas. De todos os arranjos que Tatiani Fernandes, 34 anos, precisou fazer no orçamento, o que mais doeu foi ter de suspender a aula de balé da filha Anita, de três anos.
O cancelamento foi o primeiro de uma série de adaptações que a técnica em laboratório e o marido, o técnico em mecânica Cléber Almeida, precisaram fazer. O primeiro revés econômico veio em 2014, quando após 13 anos trabalhando em uma fábrica na região metropolitana, Cléber perdeu o emprego. Eram sinais de que a estagnação da economia, que àquela altura já atingia com força a indústria, deixaria também marcas profundas no mercado de trabalho.
Meses depois, o técnico em mecânica conseguiu arranjar outro emprego, desta vez no setor administrativo. O salário menor e o aumento das despesas no orçamento despertaram preocupação.
– Tínhamos o plano de guardar parte da renda para investir na compra de um apartamento em Porto Alegre, mas chegou um momento em que eu já contava com o cartão de crédito para complementar a renda. A partir do dia 18, quando fechava a fatura do mês, eu começava a empurrar os gastos para frente – confessa Tatiani.
Por uma colega de trabalho, Tatiani ficou sabendo que a Faculdade de Economia da PUCRS oferecia serviço gratuito de orientação financeira. Inscreveu-se no programa de acompanhamento e convenceu o marido a fazer o mesmo. A partir daí começaram os ajustes: o queijo gorgonzola virou queijo fatiado, a pizza da tele-entrega se transformou em pizza feita em casa, os passeios de final de semana rarearam e até as visitas à casa da mãe de Tatiani, que mora na zona sul de Porto Alegre, ficaram mais espaçadas:
– Antes eu não fazia ideia de quanto eu gastava com gasolina, por exemplo. Quando comecei a prestar atenção, e anotar toda vez que abastecia, descobri que R$ 350 por mês iam só para encher o tanque. Consegui reduzir para R$ 250. Visitar a família agora uma vez por semana, no máximo duas.
E não foi só o balé de Anita que ficou suspenso. A aula de inglês e a escolinha de futebol também. O enxugamento ainda não permitiu alcançar a poupança desejada, mas garantiu que a família não ficasse endividada.
Se alguns pequenos luxos são logo cortados, há outros que demoram, como observa Maurício Almeida Prado, da consultoria Plano CDE:
– O consumo da classe C vinha crescendo muito em áreas como planos de saúde e educação particular, e isso já sofreu certo resfriamento. Mas a gente percebe que serviços voltados à tecnologia, como internet banda larga, estão sendo preservados. Não é tão óbvio que a classe C vá cortar primeiro a TV a cabo e só depois o iogurte. Comparando com décadas atrás, é nítido que o orçamento doméstico ficou mais sofisticado.
Na tentativa de não abrir mão do acesso a serviços e produtos conquistados nos últimos anos, imaginação não falta. A venda de smartphones e eletrônicos de segunda mão, por exemplo, não para de crescer. Dados consolidados do site OLX, um dos mais populares no país, apontam que em 2015 foram vendidos 2 milhões de celulares por intermédio da plataforma, um avanço de 60% em relação ao ano anterior. A venda de celulares usados cresce em um cenário em que o mercado de smartphones novos encerrou o ano em queda de 25,5% no Brasil segundo dados da empresa IDC, especializada em mercados de consumo em massa de tecnologia.
A compra de usados ajuda a reduzir despesas dentro de casa, mas acaba por gerar um outro contratempo para a economia. Atinge de frente a indústria e o comércio, que com o tempo acabam vendendo menos e desempregando mais. Quanto mais as famílias enxugam o orçamento mais contribuem para a recessão no país piorar.
Endividada, classe C faz "pedalada fiscal doméstica"
Grande fiadora do modelo de crescimento adotado no Brasil ao longo da última década, baseado no estímulo ao consumo, a classe C encara, fragilizada pelo alto endividamento, a pior fase da crise. Com um gasto médio 15% maior que a renda mensal – sustentado pela facilitação do acesso ao crédito – e com mais de 45% do orçamento comprometido com financiamentos habitacionais e prestações, muitas famílias estão sendo obrigadas a realizar "pedalada fiscal doméstica", conta Renato Meirelles, do Data Popular, fazendo uma referência às estratégias adotadas pelo governo nos últimos tempos para mascarar parte do rombo nas contas nacionais.
– A classe C pode não entender nada de economia, mas sabe muito bem fazer uma coisa que o governo até agora não conseguiu: ajuste fiscal nas contas. Economiza nos gastos e faz bico para aumentar a renda. Se nada disso funciona, olha para a conta do cartão de crédito e vê quanto terá que pagar de juro. Opta, então, de forma consciente, por atrasar a conta de luz, que só é cortada depois de dois meses e também tem um juro menor. Faz rodízio de conta, e pedala a dívida com os credores – brinca Meirelles.
Levantamento realizado pela SCPC Boa Vista aponta que 60% dos 57 milhões de inadimplentes no Brasil são classe C. Só 3% estão na classe A, por exemplo. Entre os devedores, 46% têm duas ou mais contas em atraso, e entre as principais causas apontadas para o não pagamento estão o desemprego (35%) e o descontrole financeiro (29%).
De acordo com o Banco Central, o saldo de crédito renegociado para pessoas físicas ficou em R$ 27,3 bilhões em fevereiro, 19,3% maior que 12 meses antes. O indicador serve como uma espécie de medida antecedente à inadimplência.
Foi o que aconteceu com Fabrício Silva, 26 anos. Enrolado com dívidas em vários cartões de crédito e no cheque especial, ele foi obrigado a procurar os bancos e buscar renegociação. Vai levar um ano para colocar as contas em dia.
– Era uma roupa aqui, um presente ali. Saía diversas vezes por semana, viajava nos finais de semana. Estava sempre no vermelho, jogando com um dinheiro que na verdade não era meu. Quanto mais a taxa de juro subia, mais eu me encalacrava. Quando fui comprar um carro e vi que não tinha condição nenhuma de segurar as parcelas, resolvi dar um jeito na situação – conta Fabrício.
Formado em gestão comercial com bolsa integral do ProUni, Fabrício saiu da faculdade sem grandes dívidas, mas se viu maravilhado pelo fácil acesso ao crédito que se seguiu à primeira assinatura na carteira de trabalho. Para jovens da mesma geração, na faixa dos 20 poucos anos, é a primeira vez que a trepidação econômica traz sensação de perda.
– Recentemente, fizemos uma pesquisa com mais de mil entrevistados. Concluímos que a percepção de gravidade da situação é maior entre a classe C. Para 59%, é a pior crise que o Brasil já viveu. Claro que não é, já tivemos inflação e desemprego muito maiores. Mas tem toda uma geração que cresceu em meio à prosperidade e agora está assustada – conta Renato Meirelles, do Data Popular.
Nem coxinha, nem petralha: maioria ficou em casa
Se de fato tem sido mais penalizada pela inflação e pelo desemprego, e se a percepção de gravidade da crise tem sido maior entre integrantes desta faixa de renda, por que a classe C não engrossou as fileiras das manifestações contra o governo que ocuparam as ruas em março e abril? Especialistas afirmam que não existe uma única resposta, mas sugerem algumas hipóteses.
Para Renato Meirelles, do Data Popular, não é exagero chamar os protestos de elitistas, já que a maioria dos manifestantes tinha escolaridade e renda maiores que a média brasileira. O que não significa que a classe C estivesse satisfeita com o governo, ressalta:
– Não existe uma resposta clara, mas minha percepção é de que os motivos que levaram as pessoas da classe A e da C a ficarem descontentes com o governo são completamente diferentes. Os protestos dos mais ricos contra a corrupção mascaram críticas a gastos com programas sociais e assistenciais. Já a classe C está descontente pelo motivo contrário: o ajuste fiscal e a redução de programas como Pronatec, ProUni, Fies. É isso que os oposicionistas do governo não perceberam e acabaram afastando parte da classe média das manifestações.
Maurício Almeida Prado, da Plano CDE, afirma que é possível identificar dois perfis preponderantes entre a gama de opiniões encontradas dentro da classe C a respeito da crise política: aqueles mais conformados ("os políticos sempre roubaram e não há como mudar o sistema") e aqueles mais pragmáticos ("existe corrupção no governo, mas minha vida melhorou"). Pondera, porém, que o custo para chegar até o local das manifestações pode ter sido o fator determinante para afastá-los das ruas.
– Quanto custa sair da periferia e ir até a Avenida Paulista? R$ 30? Em termos de lazer, este valor paga um mês de Netflix. Chegar nesses lugares é caro. Se tivesse havido movimentos em localizações mais periféricas, talvez a participação teria sido maior. Nem todos estão apoiando o governo – diz.
Fabrício não foi em nenhuma das manifestações contra o governo que ocorreram em Porto Alegre nos últimos meses. Não é que faltem críticas duras contra a gestão petista, ("é um escândalo atrás do outro", "colocar Lula como ministro é um absurdo"), mas diz não ver grande serventia em ir para a rua levantar bandeira e vestir verde e amarelo:
– No final das contas, não muda muita coisa. Sai um e entra outro igual ou até pior. Prefiro passar o domingo com a família e com os amigos e descansar, porque na segunda-feira começa tudo de novo.