Na manhã desta sexta-feira, o psiquiatra e diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas, Flávio Pechansky, participou de uma conversa com a repórter de Sua Vida Paula Minozzo ao vivo no Facebook de ZH. O especialista está a frente de diversas publicações sobre o comportamento de motoristas no trânsito, o impacto do consumo de substâncias no aumento dos acidentes e das fatalidades nas rodovias e também conduz as pesquisas sobre o "drogômetro", que detecta substâncias por meio da saliva.
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Pechansky conversou sobre a importância da fiscalização e de campanhas para diminuir a violência no trânsito e esclareceu dúvidas sobre a mistura perigosa de álcool, drogas – e até mesmo a tecnologia – com direção. O assunto também voltou à tona depois do caso do atropelamento do casal de jovens no Parcão por um carro em alta velocidade na madrugada de 2 de abril.
Confira alguns trechos da entrevista e perguntas feitas pelos leitores na página do Facebook de ZH.
Como é a fiscalização nos outros países e como isso diminui os acidentes? Você recentemente fez um estudo sobre isso.
O que a gente fez foi pegar três colegas de seis países – Noruega, Estados Unidos, Austrália, México, Brasil e Argentina e deu para eles a mesma pergunta: "O que aconteceria no seu país se uma pessoa for pega em uma blitz e se recusar a soprar o bafômetro?". Aqui no Brasil, há uma flexibilidade da lei, e é permitido (a recusa). Nos países mais desenvolvidos (Austrália, EUA e Noruega), as leis são tão melhor seguidas, que o motorista que se nega já é culpado apenas por se negar. Cá entre nós, só nega quem tem alguma coisa a esconder. Basicamente, o estudo mostrou que nos países onde as leis são mais fortes, onde a posição do agente de fiscalização é mais clara, eles têm taxas de mortalidade no trânsito muito mais baixas do que por exemplo no Brasil, em que ainda existe muita margem para essas negociações e sobre o que pode e não pode. Nesses países, as coisas são mais claras, a multa vai ser mais alta, as sanções vão ser mais altas. O motorista tem de andar na linha.
Acha que é preciso uma grande mudança no estilo de vida das pessoas? Afinal, virou moda beber, os jovens acham bonito...
Pergunta feita por Natália Bergonsi via Facebook
Nada contra beber ou o que as pessoas quiserem fazer. Nos países europeus, por exemplo, bebe-se muito (inclusive muito mais do que no Brasil). A questão está na combinação beber e dirigir. Isso é que tem de ser evitado e, nestes países, a cultura não é permissiva para beber e dirigir. Também porque as pessoas usam meios de transporte público seguro, o que estimula não dirigir sob efeito de substâncias.
O que é preciso para mudar a mentalidade dos motoristas? Campanhas educativas e mais fiscalização? Como tratar do motorista reincidente, que bebe e dirige?
Do ponto de vista individual, o que a pessoa faz entre quatro paredes é assunto dela. Se ela quiser usar ou não drogas, isso tem uma implicação na individualidade, e no efeito disso para o bem ou para o mal dela. No momento em que ela está em uma via pública dirigindo um veículo, aí entra um outro elemento que, em nosso país, é pouco valorizado: o bem comum. Quando estou dirigindo, tenho de considerar que os outros são mais importantes do que eu. A carteira de habilitação não é apenas um direito, ela é conquistada por meio de uma prova e é uma concessão do Estado. Ela deve ser retirada assim como a licença de um automóvel se o motorista ou o veiculo não estão em condições de dirigir. Eu fiquei particularmente chocado ao acompanhar algumas ações do Balada Segura, com as coisas que os motoristas dizem para os agentes de fiscalização, que são supertreinados, educados. Acompanhamos muito, porque, em pesquisa, é muito importante. O que eles ouvem dos motoristas é impressionante. O condutor acha que o direito dele é maior que o dos outros que estão na via, e isso é muito difícil de mudar. Alguns motoristas não vão responder a uma campanha para isso, eles vão responder à prisão. Esses que se consideram acima do bem comum talvez não respondam a aulas de direção e outras medidas educativas. Na Tailândia, motoristas que atropelaram pessoas que morreram tem de trabalhar em necrotério. Eles vão ver o que acontece com um cadáver atropelado. É impactante, muito desconfortável, mas é uma medida radical, que provavelmente teria efeito para esse tipo de motorista.
Quais tecnologias poderiam surgir para diminuir acidente? Deveria existir carros com bafômetro em que o carro só ligaria depois do motorista assoprar, por exemplo.
Pergunta feita por Rogério Reis via Facebook.
Isso já existe em grande parte da Escandinávia, dos Estados Unidos e da Austrália – chama-se alcohol interlock ou alcoholock. Procure na internet "caminhão com bafômetro", já existe no Brasil. Em casos de motorista pego alcoolizado, ele mesmo paga o custo da instalação do equipamento em seu veículo, e isso é acompanhado pela autoridade legal. Há muitas outras tecnologias, como airbags para pedestres (um tipo de equipamento que infla milissegundos antes do contato do carro com um pedestre para evitar atropelamento), estradas e vias que geram eletricidade pela passagem dos veículos, carros que "lêem" o cansaço do motorista e dão sinais sonoros ou físicos para ele etc.
Fala-se muito sobre o álcool na direção, mas há um senso comum, ou um mito, de que outras drogas, até mesmo as legais, não teriam o mesmo efeito perigoso no trânsito. Isso é verdade?
Não vou falar de álcool ou de remédios para dormir, mas, sim, de drogas legalizadas. Vou falar de comprimidos que as pessoas usam como relaxante muscular ou remédios para dor. É sabido que essa medicação pode afetar nossa capacidade de fazer coisas. A pessoa pode ficar mais sonolenta, que é um efeito do relaxante muscular. Põe isso no trânsito, ou para operar máquinas, um guindaste, por exemplo. O sujeito está tomando doses altas de um medicamento que pode afetar a performance. Isso é importante de identificar porque o dirigir é uma combinação de uma série de elementos físicos e mentais. Falando especificamente das drogas legais ou não legais: tem bons estudos realizados na Holanda e no Canadá mostrando que drogas como cocaína, anfetamina, maconha e ecstasy afetam profundamente a capacidade de dirigir. Muitos pesquisadores já trabalham só com o efeito da maconha na direção. Uma das principais pesquisadoras do mundo virá para o Brasil em outubro em um congresso mundial sobre o tema falar sobre isso. Essa imagem que se tem de que algumas drogas teriam menor impacto está caindo na medida que se tem a capacidade de se estudar os seus efeitos.