O desmanche na economia tem ajudado a levar à ruína negócios já fechados para a compra da casa própria. Desde que o juro para os financiamentos passou a subir, há um ano, e o país entrou em recessão, os casos de desistência de negócios na planta quase dobraram no Rio Grande do Sul.
O período de instabilidade na economia ainda é agravado por atrasos nas obras ou na entrega do Habite-se pelas prefeituras, mais cautelosas após o caso da Boate Kiss. É uma combinação cada vez mais frequente: tão logo vence o prazo contratual de 180 dias de atraso para a entrega das chaves por parte das construtoras, parte dos clientes decide pôr um ponto final no negócio.
- As pessoas não estão em condições de esperar demais pelo apartamento - afirma o advogado Gabriel Faller, especializado em direito imobiliário.
Construção civil acumula fechamento de vagas desde 2014
Conforme o Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado (Sinduscon-RS), o distrato - a rescisão do contrato - já alcança 21% dos lançamentos desde meados de 2015, ante uma média histórica de 11% - o sindicato não precisa o percentual de desistências que envolvem atrasos na entrega. No Procon de Porto Alegre, chegam de quatro a seis pedidos de distrato por mês. Em média, metade dos pedidos envolvem apenas desistência, sem relação com atraso na entrega do imóvel.
Há três anos, quando o mercado imobiliário estava no ápice, muita gente comprou apartamento na planta porque estava com emprego estável e havia simulado financiamento com juros baixos. De lá para cá, os bancos passaram a exigir entrada maior e a cobrar juros mais altos nos empréstimos imobiliários.
- Passamos a receber muitos pedidos de mediação por clientes que ficaram sem dinheiro para concluir o negócio e, ao depararem com o atraso da obra, resolvem desfazer o contrato, recebendo de volta o que já pagaram - afirma Cauê Vieira, diretor do Procon da Capital.
O principal peso para romper o negócio são as taxas do financiamento. No ano passado, a Caixa Econômica Federal subiu de 8,75% para 9,90% o juro da casa própria ao ano e passou a exigir contrapartida maior dos clientes, criando um efeito cascata em outros bancos. Como as condições do financiamento são acertadas apenas na entrega das chaves, quem havia simulado as parcelas dois anos atrás tem de refazer os cálculos - e saber se vão casar com a realidade.
- Quando comprei na planta, lá em 2012, a parcela era tranquila de assumir. O problema é que foi chegando a hora de receber o imóvel e vi que o juro tinha ficado altíssimo - afirma o empresário Rodrigo Matos Coelho, 31 anos.
Ele e a mulher compraram um apartamento no bairro Azenha, na Capital, que seria entregue em maio de 2014. Porém, ao final do prazo, a construtora comunicou atraso de seis meses, e continuou prorrogando o prazo a cada dois meses. Morando de aluguel e precisando lidar com sua empresa em época de recessão, Coelho começou a temer por suas contas quando finalmente recebesse as chaves - e sabe-se lá quando isso ocorreria. A tentação de encerrar o contrato teve a gota d´água: a construtora enviou o boleto com o reforço de R$ 20 mil - dinheiro que Rodrigo não dispunha no momento.
- Acabei pedindo o distrato, não sem resistência da construtora, e recuperei o que já havia pago - explica.
Conforme a diretora do Procon do Estado, Flávia do Canto Pereira, parte dos clientes chegam com dúvidas quanto ao percentual de retenção correto nos distratos. Flávia afirma que jurisdições indicam que, quando o rompimento parte do proprietário sem haver atraso na obra, a "multa" fica entre 15% e 25% do valor já pago.
Construtoras dizem oferecer opções
O presidente do Sinduscon-RS, Ricardo Sessegolo, explica que as construtoras passaram a tentar encontrar alternativas ao distrato, oferecendo um imóvel já pronto quando a desistência ocorre por atraso, ou mais barato, quando decorre de dificuldades financeiras. Sessegolo não acredita que os atrasos na entrega sejam a principal causa do aumento nas desistências. Para ele, a economia anêmica tem mais peso nesse cenário - ele sustenta que, desde o ano passado, a maior parte dos cronogramas entraram em dia.
- As empresas conseguem reverter 30% dos pedidos de distrato. Mas muitos pedidos culminam no encerramento do contrato. A insegurança dos clientes quanto ao futuro da economia está muito grande - afirma o presidente.
Imóveis recém lançados que voltam ao mercado após a desistência do negócio podem virar opção para quem continua em busca da casa própria. Quando o distrato é concluído ou o imóvel é renegociado antes mesmo de ser ocupado, o preço costuma ficar em uma faixa intermediária entre o valor da planta e o preço de imóvel novo.
- Isso traz uma oportunidade boa para quem quer comprar para morar ou colocar para alugar. Principalmente para quem tem dinheiro para pagar à vista e negociar descontos - afirma Rafael Severo, diretor da Escola de Investidores.
Foi o que aconteceu com a executiva de contas Inaiara Mansur, 26 anos. Ela havia se interessado por um apartamento em um condomínio que estava em fase final de construção próximo à Praça da Encol, na Capital, mas o preço era muito alto - a construtora já estava com tabela de imóvel terminado, com preço cerca de 30% superior ao da planta. Foi quando teve uma oportunidade valiosa.
Uma mulher que comprara na planta estava com dificuldade em obter financiamento e resolvera passar o imóvel adiante. Em vez de desfazer o contrato e perder parte do valor já pago, queria passar a propriedade para outro comprador.
- Eu tinha um bom dinheiro para dar de entrada, e a proprietária topou cobrar valor semelhante ao que havia pago anos atrás. Ou seja, comprei pelo preço da planta, mas com a vantagem de receber o imóvel já pronto - comemora Inaiara.
- Como o mercado está relativamente parado, construtoras e donos de imóveis têm sido mais suscetíveis a negociação, em alguns casos topam dar até 30% de desconto - explica o consultor financeiro Leandro Rassier, da LHR Investimentos.
Conforme Ricardo Sessegolo, do Sinduscon-RS, algumas construtoras têm dado descontos quando esses imóveis voltam ao mercado, e muitas vezes os incluem em feirões, mas isso não é regra. Sessegolo vê pouca margem para barganha nos preços, uma vez que os estoques de lançamentos permanecem estáveis em Porto Alegre.