Como pode um veículo passar com som alto e gente gritando (feliz!), andar em círculos no meio da principal via de Capão da Canoa, trancando o tráfego, e todo mundo mandar beijo, tirar fotos e dar tchauzinho? Motoristas não reclamam, na rua todos sorriem, cutucam os amigos, as mães correm e levantam os filhos para olhar. Estar no minhocão é ser o centro das atenções. É ser olhado, filmado, fotografado. Parece que nesse verão vai ser difícil alguém não pedalar nesse trenzinho.
As famílias chegam em hordas, as filas varam a madrugada, e até aqui não há uma viva alma que resista. Quando o minhocão se arrasta pelas ruas da praia, é um festival de "onde fica?", "quanto custa?", "como funciona?". Para esta última, o proprietário Edemir Ramos, 46 anos, ex-caminhoneiro de Canoas, costuma responder, mostrando que até já está perdendo a timidez:
- Funciona pedalando, pedalando, pedalando...
Fruto da imaginação de um comerciante paranaense, a invenção chegou ao Litoral Norte após Ramos descobrir o brinquedo exposto no pátio de um posto de gasolina, em 2006. Ele levou oito anos para acreditar no negócio e levá-lo adiante. Primeiro, tentou em Canoas, onde mora, mas a prefeitura o proibiu. Depois, ficou um tempo no Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio, até que as chuvas o inundaram. Na planície de Capão, acertou-se com a prefeitura, que pretende determinar um trajeto fixo para evitar problemas.
- As dificuldades me obrigaram a sair da zona de conforto e insistir. Graças a Deus, vim para o Litoral e estou vivendo essa alegria contagiante, sensacional - conta Ramos, que começou o negócio na praia na metade de 2015, oferecendo os passeios em um terreno, onde também acampava.
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Mas o período em que dependia dos banheiros químicos e do banho no mar já passou. O acanhado ex-caminhoneiro agora é dono da sensação deste verão. Um sucesso que não esperava e para o qual muito menos estava preparado.
Trenzinho anda em ziguezague pelas ruas de Capão
Outro golaço foi encontrar a pessoa certa para o comando da locomotiva.
O jovem Moisés Batista Nunes, 21 anos, que abandonou o bairro Mathias Velho, em Canoas, já foi garçom em Tramandaí, mas agora diz que se achou na profissão. Bom de papo e de zoeira, é quem manda a turma pedalar e comanda o som, que vai do funk à clássica "um barril de chope, é muito pouco para nós".
- Quando o chefe me viu pilotando, ficou louco, disse que eu era o único na Terra que conseguiu dirigir bem esse negócio - conta Nunes, que já está virando, naturalmente, o "motora".
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No trajeto pelas principais ruas de Capão da Canoa, percorrido em ziguezague e com direito a "zerinhos" onde há espaço, dá para ver as crianças puxando as camisetas dos pais, um festival de "eu quero, eu quero, eu quero". No minhocão, um manda o outro pedalar, e a sincronia só é garantida na hora de dar sinal: o "pisca" é com todo mundo juntando a ponta dos dedos para o mesmo lado. Matheus Schneider, 28 anos, estudante de Direito e pai de um guri de quatro anos, limitou-se a dizer, assistindo a uma passagem do trenzinho sustentável:
- Vixe, meu filho vai surtar.
Além do motorista, são sete carrinhos para duas pessoas, interligados e equipados com itens de bicicleta - apenas o freio é a tambor, para maior segurança. Usado, o trenzinho custou R$ 25 mil. São pelo menos 15 viagens por dia, com 20 minutos de duração, em que cada pessoa paga R$ 10 - o custo para ser o centro das atenções de uma cidade inteira. Priscilla Ramborger, 33 anos, autônoma, levou a filha Júlia para o passeio e, como a maioria, não se arrependeu:
- Muito mais animado do que eu pensava, bem diferente. Chamou a atenção de todos, que param os veículos para o carrinho passar. Normalmente, as pessoas são estressadas dirigindo.
Júlia, que tem 10 anos, surpreendeu-se justamente com esse respeito no trânsito:
- Achei legal os carros parando, porque lá em Porto Alegre não é assim.
Edemir já está expandindo o empreendimento. Negocia com a prefeitura de Lajeado para operar o trenzinho no Parque dos Dick. Em Capão da Canoa, os passeios saem da Rua Moacir, entre a Avenida Poti e a Rua Andira.