O ano de 2015 ficou gravado na pele da administradora Quelen Leão da Silva, 37 anos. São cicatrizes e duas tatuagens - um pássaro fênix nas costas, por aquilo que chama de renascimento, e um símbolo do infinito acompanhado de um "Obrigada, Senhor" no antebraço. Elas remetem a um período de superação.
Quelen iniciou o ano em tratamento contra um câncer de mama - um processo que incluiu uma cirurgia para a retirada de um nódulo descoberto em 2014, seis ciclos de quimioterapia, 30 dias de radioterapia, uma extensa bateria de exames e um sem-fim de incertezas. Quem vai para 2016, agora, é uma nova mulher. Bem mais forte. E bem mais feliz.
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- Suspeitei em um autoexame e levei a questão para o meu médico, de quem ouvi que "não era nada". Desconfiei e segui investigando. A fase mais difícil foi a de descobrir em que estágio estava a doença. É como pisar em ovos: não se sabe o que tem pela frente. São só perguntas: o que vai ser da minha vida, família, filha? Vou ter força para passar por isso? - conta Quelen.
Era um tumor maligno. Mas a luta não era somente contra ele. A batalha que ali se iniciava tinha outros inimigos, tão perigosos quanto - os pensamentos negativos, as notícias ruins, os estereótipos criados em torno do paciente em tratamento e um árduo processo mental para desvincular duas palavras que costumam vir associadas: câncer e morte.
- É uma doença muito psicológica. Quando você fala que está com câncer, logo te olham com cara de piedade, como se você estivesse morrendo. Então, a primeira coisa que pensei foi: tudo vai dar certo. E fui para a sala de cirurgia com muita coragem, muito mais do que os medos. Os pensamentos negativos vinham à cabeça, e eu os afastava: "Vocês não pertencem a este corpo" - conta.
A moradora de Canoas deixou os três empregos e, portanto, a rotina agitada que tinha. Não permitiu, porém, que a vida ficasse de lado. Ainda em tratamento, matriculou-se na academia, levava e buscava a filha Júlia, seis anos, na escola, cuidava da casa, ia ao supermercado. Teve ânimo até para viajar à Patagônia, na Argentina. O comportamento diante do desafio faz parte do segredo da vitoriosa:
- Eu procurava não vivenciar só a doença. Minha vida não era o câncer. Claro que os momentos mais difíceis vinham, e eu soube respeitá-los. Por mais que eu seja extrovertida, tinha dias em que eu só queria tomar um chá no sofá. Eu me dava o direito de também sentir tristeza.
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Sentimento com o qual todos tiveram de aprender a lidar - até a pequena Júlia que, por vezes, tinha de deixar a mãe quieta e confiar na promessa do pai, Christiano da Silva, 36 anos: "Logo a mãezinha vai ficar feliz de novo e tudo vai ficar bem". Quelen conta:
- Nunca dei a dimensão da coisa, porque ela não entenderia, mas nunca escondi nada. Dizia para ela que ia no hospital cortar um dodói, que estava tomando um remedinho que ia me deixar de tal jeito. Não fantasiei nada. E expliquei: tem dias que tem tristeza, tem dias que tem alegria. E a vida é assim.
A administradora passou a frequentar sessões espíritas e missas na Igreja Católica e criou uma rotina de oração com a família. Ela garante: vem daí boa parte da força que encontrou para superar o momento.
- Por mais que família, equipe médica e toda a infraestrutura ajudem, a força vem de dentro. É aí que entra a questão da superação. Onde a gente busca isso? Onde está escondido isso? A gente tem uma força interior que a gente nem imagina. E é nesses momentos de crise, problema, doença, que a gente encontra. Assim como o amor, é preciso cultivar a fé.
Quelen chega a 2016 com outros valores e um novo olhar sobre o mundo. Ela não sabe explicar muito bem como, mas sente ver o céu diferente, que o sabor da pipoca no sofá da sala é outro, que os problemas todos são agora tão pequenos.
- Foi um ano para renascer.
O que sinto, com gratidão, porque não tem outra palavra, é que se encerra um período muito difícil. E passageiro. Foi, sobretudo, um tempo para repensar a vida e descobrir o que realmente é fundamental nela.