Filho de funcionários públicos aposentados, trilhando carreira em uma rede hoteleira de Porto Alegre, Victor Kayser parece ter descoberto ao acaso a veia empreendedora. Após se formar em Turismo em 2012 e conseguir o emprego, começou a sentir o desconforto da rotina. A recepção do hotel e a central de reservas soterravam sua aspiração criativa.
- Nos primeiros meses de formado, vi que o Turismo não era para mim - conta Kayser, 27 anos, que começou a pensar em desistir ainda na metade do curso, mas, a pedido dos pais, foi até o fim.
Decidiu encontrar um novo rumo - dessa vez, escolheu uma velha paixão: a moda. O mundo das passarelas e da alta costura o encantava desde menino. Quando pequeno, não eram revistas em quadrinhos ou de futebol que chamavam sua atenção, e sim as volumosas edições da Vogue.
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Mandou currículos para agências, e foi chamado para ajudar a cuidar da carreira de aspirantes a modelos, providenciando books e agendas. Sentia que estava no caminho certo, mas queria mais: desenhar, costurar, criar uma grife. Essa inquietude foi o grande passo de sua carreira: aos 24 anos, matriculou-se no curso de Estilismo em Confecção Industrial do Senai-RS, com duração de dois anos e meio.
Com poucos contatos na área, se limitava a atender encomendas de amigos, principalmente por ternos e vestidos de festa. Não sabia exatamente como crescer em atividade tão restrita como a alta costura. Mas eis que, um pouco depois de se formar, em 2014, ganhou o prêmio Brasil Fashion de Revelação do Ano - escolhido por um júri formado por Alexandre Herchcovitch, Ronaldo Fraga, Lino Villaventura, Jackson Araújo e WGSN. Encheu-se de confiança.
- Me tornei conhecido, fui apresentado a estilistas famosos. O sonho de criar uma marca ganhava contornos reais - orgulha-se Kayser. - Ficou claro que eu poderia iniciar um negócio.
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Mesmo seduzido pela ideia de empreender, o estilista dosou seus passos. Nunca tinha aberto um negócio, e nem trabalhado como gerente ou diretor de empresa. O que vinha pela frente era um mistério.
Buscou no Sebrae-RS ajuda para mapear mercado, identificar potenciais clientes e organizar uma planilha de receitas e despesas. Encomendou uma logomarca e um site para divulgar suas coleções. Para evitar dívidas, passou longe de empréstimos: vendeu o carro para formalizar o negócio, comprar tecido, maquinário, embalagens e investir em divulgação.
- Comecei trabalhando no meu quarto, na casa dos pais, e só me mudei quando clientes começaram a querer conhecer meu ateliê.
A empresa nasceu em março de 2015, celebrada em desfile com 14 modelos em uma galeria no bairro Floresta e assistido por jornalistas, estilistas e blogueiros. A crise assusta, em particular porque as encomendas ainda não deslancharam. Mas o negócio vai bem. Ao longo do ano, vendeu cerca de 50 peças, ao preço de até R$ 800 cada. Se ainda não dá para pensar em ficar rico, é suficiente para manter seu ateliê e a ocupação de quatro costureiras.
A vida de empresário passa longe de ser tranquila. Como se encarrega do cafezinho à encomenda dos tecidos, o estilista é o que os americanos chamam de 24/7 - se envolve em trabalho as 24 horas do dia, os sete dias da semana. A trajetória também é farta de aprendizados. No ano que vem, não irá se dar ao luxo de repetir o desfile das coleções:
- É caríssimo, e tenho minhas dúvidas se atrai tantos clientes.
A tentativa de se aproximar de grandes redes de varejo - com custos elevados de mostruário e comissões -, também vai ficar para depois: é na venda direta e nas indicações boca a boca que Kayser pretende fortificar sua empresa.
- O uso de técnicas de alta costura para pedidos sob medida está no início no Brasil. Há grandes desafios para abrir mercado, mas também oportunidades enormes de criar um negócio que se torne referência - planeja.