Nos últimos cinco anos, Andreza Oliveira, 38 anos, acordou diariamente antes das 6h, voltou para casa somente após a meia-noite, dividiu-se entre faculdade, estágio, um bico ali, outro aqui, duas filhas e marido, e sacrificou - por tempo ou dinheiro - momentos que considerava importantes em sua vida. Valeu a pena: antes faxineira,
Andreza terminou 2015 como bacharel em Serviço Social. A cereja do bolo é um 10 no trabalho de conclusão de curso.
Andreza sempre gostou de estudar. Só que, como ela mesma diz, teve uma vida de "trás para frente": assim que acabou o Ensino Fundamental, aos 16 anos, casou-se. Logo veio a primeira filha. A segunda não demorou muito para nascer. Começou a fazer faxinas para ajudar nas despesas de casa. E assim conviveu por quase duas décadas com uma sensação que resume bem:
- Quando era preciso preencher um cadastro, em uam loja, por exemplo, morria de vergonha de dizer que não tinha o Ensino Médio. Aquilo me doía. Falava baixinho, sussurrava que tinha somente o Ensino Fundamental e ficava triste por isso.
Retomar o tempo e voltar a trilhar o caminho dos estudos não foi fácil. As circunstâncias desencorajavam. Até que, durante o serviço de limpeza em uma imobiliária de Gravataí, conheceu a professora Denise Pereira, o "anjo" que lhe daria o empurrãozinho que faltava.
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- Era uma moça que sempre dizia: "Andreza, você é tão articulada e dedicada. Por que você não volta a estudar?". E eu respondia que era difícil, questionava onde eu iria estudar, dizia que seria longe e caro. Achava um monte de desculpa. Aí, no último dia de inscrição para o EJA (Ensino para Jovens e Adultos) na Fundação Bradesco, ela me buscou de carro e me levou lá. O céu desabava de tanta chuva, o carro enguiçou no meio de toda aquela água, mas deu certo - lembra Andreza.
Após um semestre de estudos, resolveu tentar o Enem. Queria apenas se desafiar, ver que comportamento teria diante de uma prova. E acabou tirando uma nota tão boa que pôde concluir o Ensino Médio sem precisar frequentar as aulas. Com o resultado, ainda conquistou uma bolsa pelo Prouni para estudar Serviço Social na Ulbra, em Canoas. Tinha início uma trajetória que serviu de exemplo para a família toda.
- Sempre deixei muito claro que a educação é tudo na vida de uma pessoa. Sem ela, você não sai do lugar. Aqui em casa, todo mundo entendeu o recado. Náthali está com 20 anos e cursa Administração. Ana tem 15 e acabou de ganhar uma bolsa em escola particular. E o Antônio (o marido, 41 anos) se forma agora em março em técnico de segurança do trabalho - conta, orgulhosa.
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Em 27 de fevereiro, Andreza busca o diploma e encerra o período em festa. A lembrancinha e a decoração das mesas da formatura são produzidas em casa, pelas filhas. Todo mundo ajuda. Andreza merece: chegou ao fim de um período desgastante, ainda mais para quem mora longe da cidade - no caso, na zona rural de Gravataí.
- Pegava um ônibus aqui perto de casa, às 6h30min. Descia na ERS-020 e tomava outro ônibus até Esteio, depois mais um até o local do estágio, onde chegava às 9h. No fim da tarde, ia para a faculdade de trem. Em Canoas, pegava mais um ônibus. Na volta, mais um ônibus até o centro de Gravataí, onde meu marido me esperava para uma carona. Acabava chegando em casa por volta da meia-noite. Ainda achava tempo para fazer uma faxina para cobrir gastos de cópias, livros e transporte - descreve.
Foram bem mais do que duas ou três as vezes que Andreza pensou em abandonar os planos. Só que aprendeu a fechar os olhos para as dificuldades. O próximo desafio, agora, é encontrar um emprego - agilizada, Andreza já aguarda resultado de concursos públicos. Mas vai com calma. Um desafio por vez.
- 2015 já é o ano da minha vitória - define Andreza. - E se encerrou com chave de ouro, um 10 no TCC. Entro em 2016 com o sentimento de dever cumprido, de que fui recompensada pelo que fiz. Agora, vamos ver o que o futuro me reserva, o que está ainda por vir. Até aqui tem sido tudo muito bom, e sou imensamente grata por isso.