Por algumas horas, a quinta-feira se mostrou cruel aos adeptos mais compulsivos do WhatsApp no Brasil. Bloqueado desde a 0h por conta de uma decisão judicial, o aplicativo de mensagens instantâneas deixou órfãos, até o início da tarde, 100 milhões de usuários no país. Pelo menos quatro pedidos para restabelecimento do serviço foram apresentados ao Tribunal de Justiça de São Paulo – um pela operadora Oi, um pelo próprio WhatsApp e outros por pessoas físicas –, interrompendo o jejum que deveria ter sido de 48 horas fora do ar.
Com a abstinência forçada, famílias, amigos e profissionais das mais diversas áreas tiveram de encontrar alternativas para se comunicar com agilidade, resolver pendências ou jogar conversar fora: aplicativos com sistemas VPN (redes virtuais privadas), plataformas como o Viber ou o Telegram, e-mail e telefone. A suspensão durou o suficiente para que protestos invadissem o Twitter e o Facebook. Houve internautas direcionando a revolta para as companhias de telefonia celular, enquanto outros condenavam uma suposta manobra para desviar a atenção da população dos dias tumultuosos que sacodem Brasília. Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, que em 2012 comprou o WhatsApp por US$ 22 bilhões, lamentou o "dia triste para o país". "Se você é brasileiro, por favor, faça sua voz ser ouvida e ajude seu governo a refletir a vontade do povo", conclamou o executivo americano em seu perfil na rede social.
Mark Zuckerberg comemora volta do WhatsApp: "Suas vozes foram ouvidas"
Acostumados a receber informações sobre o trânsito e chamados de clientes pelo app, taxistas de Porto Alegre estavam incomodados na manhã desta quinta-feira. Christian Oliveira, 38 anos, contabilizava prejuízos já nas primeiras horas do dia.
– Me sinto meio perdido. A solução vai ser ligar para as pessoas, mas nesse caso a gente gasta créditos, o que não é bom – lamentou o motorista.
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A desconexão também afetou a segurança da cidade. O capitão Fernando Maciel, do 9° Batalhão da Polícia Militar, há um ano criou grupos que reúnem policiais e moradores para agilizar a comunicação de ocorrências em bairros como a Cidade Baixa. Com a perda da instantaneidade oferecida pelo aplicativo, Maciel estava temeroso:
– O tempo de troca de informações é maior pelo telefone. Sem o WhatsApp, ficamos com uma sensação estranha, como um vácuo. As coisas podem estar acontecendo e não sabemos.
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Entre as famílias, o período offline também foi sentido. Os irmãos Diogo, 34 anos, Elisa, 30, e Bruna da Silva, 23, participam de três grupos "domésticos": o da família paterna, com cerca de 15 membros, o de parentes do lado materno, com 12, e o que chamam de "nosso núcleo", formado por eles e os pais. Foi neste último que o WhatsApp fez mais falta.
– Usamos esse grupo para questões mais práticas, como marcar eventos, informar o que está acontecendo com cada um. Recentemente, organizamos o amigo secreto de Natal pelo aplicativo – relatou Bruna, que estranhou uma ligação da mãe. – Ela precisava de documentos que tinha esquecido e me ligou para eu levar para ela. Normalmente, teria feito esse pedido pelo WhatsApp – exemplificou.
Professora de psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Carolina Lisboa classificou como preocupante o elevado nível de angústia experimentado por muitos, desde a véspera da interrupção, diante da possibilidade de não poder contar com a plataforma.
– A gente vive em um mundo muito precipitado, muito imediatista. As pessoas se assustaram com o tempo maior que levariam para interagir com as outras – observou Carolina.
Com a crescente virtualização dos relacionamentos, uma consequência das facilidades tecnológicas cada vez mais abundantes e acessíveis, as pessoas estão se tornando, na opinião da psicóloga Ilana Andretta, inábeis no contato social. Para a professora da Unisinos, coordenadora de um grupo que pesquisa habilidades sociais, o WhatsApp, apesar de ser um recurso extremamente útil, é uma forma mais pobre de interação. Ao abrir mão do contato direto, os interlocutores deixam de exercitar aptidões fundamentais ao convívio humano:
– As pessoas estão muito dependentes de aplicativos. Estamos perdendo a capacidade de nos comunicar ao vivo. É muito mais fácil mandar mensagem e esperar uma resposta instantânea. Fazer uma ligação, conversar, escutar o tom de voz é saudável. Escutar a voz da pessoa talvez me proporcione uma nova possibilidade de conexão com ela.
O impedimento momentâneo imposto ao serviço, segundo Ilana, deve suscitar uma reflexão individual: será que o tempo e a intensidade do uso não estariam se tornando excessivos?
– O WhatsApp não deve ser a única forma de comunicação. Temos que olhar para esse bloqueio e entender qual é a relação que temos com o aplicativo. Se alguém perceber que "o mundo caiu", tem alguma coisa errada – alerta.