Assim como uma flor foi capaz de brotar do asfalto na poesia de Carlos Drummond de Andrade, o amor pelos livros teve força para florescer em um ambiente sombrio: a prisão. Uma iniciativa que formou não apenas novos leitores, mas também novos escritores.
Atrás das grades, 59 presos transformaram o gosto pela leitura em poemas, crônicas e desenhos que ilustram o segundo volume do livro Vozes de um Tempo. São homens e mulheres que sonham em serem ouvidos.
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Nesta quarta-feira, às 17h, alguns deles realizarão esse desejo. Entre 10 e 12 presos vão lançar a obra na Feira do Livro. Estarão atrás da mesa de autógrafos, colocando suas assinaturas no livro que traz na capa a imagem de uma asa, simbolizando um voo para a liberdade. Depois, darão uma espécie de palestra ao público, relatando experiências do cárcere.
A produção da obra durou pouco mais de um ano e plantou entusiasmo em todos aqueles que enviaram seus textos para a avaliação - detentos de vários presídios gaúchos. Muitos chegavam a pedir para seus professores ligarem mais de uma vez para a sede da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), na tentativa de saber se haviam sido escolhidos.
- Alguns servidores se emocionaram durante as leituras. A nossa ideia é publicar um livro por ano - explica Lutiana Ricaldi da Rosa, psicóloga e coordenadora da Divisão de Educação Prisional da Susepe.
Os textos foram selecionados por professores da UniRitter e divididos em 10 capítulos, cada um com um tema distinto, entre eles mulheres, vícios, privações e sentimentos. O livro também conta com uma madrinha especial - Lya Luft, responsável pelo texto de apresentação. No relato, a escritora afirma que a leitura na prisão é um tipo de "liberdade especial", que ignora as grades e faz com que os presos passem para "o outro lado do balcão": de leitores a autores.
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Juntos, os presos no Estado somam mais de 30 mil pessoas. Têm escolaridade baixa e poucos conseguiram completar o Ensino Médio. Podem ficar ao sol por apenas três horas e, se não têm oportunidade de trabalho, passam as outras 21 horas do dia encarcerados, em celas muitas vezes insalubres e superlotadas.
Nesse cenário, a leitura deixa de ser apenas um passatempo. É um passaporte para a libertação dos pensamentos. A literatura, diz Lutiana, diminui a sensação de aprisionamento.
- Os livros também levaram os presos a refletir sobre os projetos de vida, o que influenciou em uma maior procura pela educação formal e pela capacitação para o mercado de trabalho - completa a psicóloga.
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O número de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para pessoas privadas de liberdade, cujas provas serão realizadas nos dias 1º e 2 de dezembro, cresceu 35% no Estado em comparação com o ano passado. Em 2014, 1.590 presos se inscreveram para o teste. Em 2015, são 2.145.
O incentivo à leitura nos presídios surgiu inicialmente através de ações isoladas de alguns estabelecimentos, onde psicólogos, assistentes sociais ou professores buscavam doações na comunidade. Em 2011, a Susepe ganhou um parceiro de peso: o Banco de Livros, organização não-governamental ligada à Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul. A entidade já doou mais de 130 mil obras a 95 presídios gaúchos.
Conforme o presidente do Banco de Livros, Waldir da Silveira, ainda não foram montadas salas de leitura em todas as 105 casas prisionais porque algumas precisam de reformas. Por causa da segurança, a organização precisa instalar salas de leitura em cada módulo ou galeria dos presídios, mas alguns ainda não têm espaço para isso.
- Já que os presos não podem ir aos livros, as obras vão até eles. Você está recluso, mas sua alma está viajando por causa da leitura - diz Silveira.
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A meta da organização é que cada presídio tenha a média de pelo menos cinco livros por preso. Isso significa a necessidade de mais de 20 mil doações. Além das salas de leitura, o Banco de Livros vem organizando os espaços de espera das famílias nos dias de visita. A ideia é transformar ambientes sombrios em aconchegantes, com mesas para crianças lerem e livros infantis. Entre os adultos, Silveira conta que as obras mais lidas nos presídios são de poesia, autoajuda, espíritas e de filosofia.
- Essa preferência demonstra que eles estão procurando uma resposta. Tenho certeza de que as pessoas conquistadas pela literatura não vão reincidir. É um ganho social muito importante - afirma.
LANÇAMENTO
Alguns dos autores de Vozes de um Tempo, volume 2 participam de um debate e autografam a obra nesta quarta-feira, às 17h, na Casa do Pensamento, em frente ao Memorial do RS.
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