Não é recente a ideia de que a humanidade cria atalhos para os caminhos do coração. Tecnologias e serviços criados para encurtar distâncias propiciaram novas formas de se apaixonar. Do antigo serviço de chat telefônico 138 ao Happn, um dos mais atuais aplicativos de paquera, foi um longo caminho que resultou em muitos casais que estão juntos até hoje.
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Engana-se quem pensa que foi a internet a responsável por inaugurar a era dos relacionamentos virtuais. No início dos anos 1980, para conhecer gente nova e de outras localidades, era preciso discar apenas três números no telefone: 138.
O Teleamigos gaúcho foi um dos primeiros serviços telefônicos do gênero em todo o país. A lógica era parecida com uma sala de bate-papo, linhas eram cruzadas propiciando a conversa entre quatro pessoas diferentes ao mesmo tempo. Criado em janeiro de 1985, foi um dos dois serviços que mais deu retorno financeiro à antiga CRT igualando-se ao Hora Certa.
Trinta anos depois, a tendência de xavecar "a distância" também é tendência. Aplicativos como o Happn "ligam" os usuários por meio dos smartphones, permitindo a aproximação de pessoas que se cruzaram na rua - e, talvez, nem tenham trocado olhares.
Linhas que cruzavam "almas gêmeas"
Foi no 138, que Vilmar e Maíra se conheceram, há 25 anos
O ano era 1990. Maíra Araujo tinha 25 anos, era formada em Letras e trabalhava como secretária. Vilmar Rodrigues tinha 26, era vigilante e, por conta do ofício, passava em claro as madrugadas. Ela usava o serviço 138 duas horas por dia, a contragosto de seu pai, que sempre reclamava da conta. Vilmar não tinha telefone e ligava do trabalho ou do orelhão. Em fevereiro, suas ligações se cruzaram:
- Não foi amor à primeira vista, foi amor a primeira linha - conta Maíra.
Ela gostou da voz dele. Ele mentiu o nome, disse que se chamava Henrique. Durante a conversa, a empatia foi aumentando, mas quando foram trocar telefones, a linha caiu. Os dois se buscaram por 15 dias, até se cruzarem na mesma sala novamente. Marcaram de se encontrar para descobrir se a beleza da voz condizia com a aparência.
- Tentamos nos conhecer três vezes. Nas duas primeiras tentativas não nos encontramos. O terceiro encontro foi no antigo Cine Imperial no Centro. Fui a primeira a chegar na sala. No meio do filme ouvi um grito pedindo silêncio. Como não tinha mais ninguém no cinema, vi que era ele - recorda Maíra.
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A relação virou namoro e em maio de 1990, Maíra engravidou. O casal está junto há 25 anos e tem dois filhos, Mariana, de 24 anos, e Henrique, o nome falso que ele usava, de 14.
Quer teclar?
Cláudia e Antônio estão casados há 11 anos. Eles se conheceram em um chat
No início da internet comercial no Brasil, o telefone voltou para o gancho e precisava estar livre porque a conexão era discada. Nessa fase dos namoros virtuais, o anonimato se fazia presente e a voz deu lugar aos teclados: os chats eram a melhor maneira de conhecer um grande amor.
Ao contrário do 138, que cruzava linhas locais de telefone, o chat do Terra, um dos mais famosos no início dos anos 2000, conectava pessoas de várias regiões do Brasil em um bate-papo online. Foi assim com a assistente social Cláudia Santos de Souza Duarte, de Canoas, e o engenheiro eletricista e Antônio de Almeida Duarte, de
Belo Horizonte.
Os dois se conheceram virtualmente em abril de 2002, no portal. Na época,
Cláudia, que usava o nickname Bruna, morava longe da família, na cidade de Três de Maio, e utilizava o serviço para diminuir a solidão. Antônio, que usava o pseudônimo de André, cuidava de uma avó internada no hospital e se conectava para aliviar a dura rotina.
- Depois que nos conhecemos numa sala coletiva, combinamos horários para conversarmos em privadas. Pouco tempo depois trocamos telefones e mandamos fotos por e-mail - conta a assistente social.
As coletivas reuniam, por vezes, mais de 30 pessoas ao mesmo tempo. Nas privadas, usuários conseguiam um pouco mais de privacidade e apenas duas pessoas
conversavam.
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Como os dois moravam longe, resolveram marcar o primeiro encontro no meio do caminho: em novembro de 2002, a capital paulista serviu como palco do primeiro beijo e do início do namoro. O amor aumentou na mesma medida que os gastos com as viagens constantes para o casal se encontrar. Em abril de 2004, Cláudia e Antônio se casaram no Rio Grande do Sul e se mudaram para Belo Horizonte três dias após a união. Atualmente, ela está com 49 anos e ele com 38 e o casamento completou 11 anos.
- Acredito que o bate-papo virtual foi a forma que Deus encontrou para que eu e Antônio pudéssemos nos encontrar, pois não haveria outra forma, já que morávamos tão longe um do outro - relembra Cláudia.
Só add com scrap
Tuanni e Thiago se conheceram em uma comunidade do Orkut. Em comum, tinham a paixão pelo Grêmio
O Orkut foi a primeira rede social que ganhou o coração dos brasileiros. Surgiu em 2004, e em 2008 tinha mais de 40 milhões de usuários cadastrados no país. Ainda que tenha sido criado nos Estados Unidos, em dois anos os usuários do Brasil já eram maioria no site de relacionamentos. Em 2011, metade dos inscritos na rede social era brasileiro. Pela primeira vez na história dos namoros virtuais, os usuários poderiam ver os atributos físicos de seus pretendentes através das fotos de perfil. A rede social da era pré-Facebook tinha "scraps" (algo como recado rápido), depoimentos e unia pessoas com gostos parecidos nas famosas comunidades.
Foi uma delas que serviu de cupido para Tuanni Carvalho, 27 anos, e Thiago Melo, 27. Os dois torcedores do tricolor gaúcho faziam parte da comunidade "Grêmio Comunidade Oficial", em 2007. Em um dos tópicos mais movimentados, chamado Descontração, Tuanni percebeu que ela e Thiago tinham gostos parecidos. Após se stalkearem (fazer uma "investigação" na página alheia atrás de fotos, mensagens, amizades e comentários), o jovem tomou iniciativa e adicionou a estudante. Ela aceitou e a dupla trocou endereços de MSN.
O Messenger tinha, no final dos anos 2000, uma força entre os usuários muito parecida com a que o WhatsApp tem hoje, mas que só funcionava em computadores por meio do e-mail.
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Foram dois meses de conversa até Tuanni e Thiago marcarem o primeiro encontro real. O local não podia ser diferente: um jogo do Grêmio.
- Marcamos pelo telefone de ir ao estádio para assistirmos juntos a uma partida. Só de ouvir a voz dele eu tive certeza que iria rolar algo - conta Tuanni.
No Olímpico, não rolou nada, até porque mais membros da comunidade tinham combinado de assistir juntos ao jogo. O beijo aconteceu uma semana depois quando marcaram um novo encontro, desta vez em uma universidade de Porto Alegre. As "ficadas" se transformaram em namoro em setembro de 2007. O casal, que este ano completa sete anos juntos, ficou noivo em 2012.
Dá um crush!
O cálculo da localização de Diego e Alana fez com que o Happn aproximasse os dois. Rolou crush
Na era da mobilidade, a paquera virou aplicativo e marcar encontros com novas pessoas se tornou uma atividade tão corriqueira quanto um like. O Tinder chegou ao Brasil, em agosto de 2013, e virou febre. Em 2015, surgiu o Happn, aplicativo francês que monitora os passos dos usuários e os compara com a localização de outras pessoas. O aplicativo exibe um aviso quando dois usuários se cruzam geograficamente e oferece a opção de curtir. Se os dois se curtirem, podem conversar.
Em agosto deste ano, Diego Cayé, 26 anos, caminhava à noite pela Cidade Baixa quando sentiu seu telefone tremer. O aplicativo avisava que Alana Caldeira, 26, tinha passado pelo seu caminho. O designer de produto gostou do cabelo azul turquesa da moça e curtiu. Ela viu que o rapaz era fã de Star Wars e resolveu utilizar o tema para puxar papo.
- Oi, jovem Padawan - escreveu a designer de moda.
Em vez de usarem o chat do aplicativo para conversar, os dois trocaram números e se adicionaram no WhatsApp. Diego e Alana, que são fãs do universo nerd, passaram a conversar todos os dias e combinaram de ir ao Comic Com, que aconteceu em Porto Alegre em agosto.
- Fomos ao evento fantasiados de Darth Vader e Arlequina. Fizeram entrevistas conosco e nos perguntaram qual a nossa relação, ficamos sem graça porque não sabíamos o que responder - explica Diego.
Em outubro o casal deixou a vergonha de lado e assumiu o namoro.