Na sala reservada aos palestrantes do TEDxUnisinos, que ocorreu sexta-feira no Teatro do Sesi, a figura tímida e concentrada de Ingrid Soto, 13 anos, contrastava com agitação do lugar. O aparente comedimento disfarçava uma fábrica de ideias e atitudes.
Aos 10 anos, a paulistana que precisou se mudar para Valinhos (SP) por conta de alergias à poluição, encantou-se pelo trabalho das Organização das Nações Unidas (ONU) e resolveu encaminhar ao órgão uma composição própria, em que se colocava à disposição para levar, por meio da música, mensagens de paz e solidariedade ao mundo. Tornou-se uma jovem pacifista reconhecida.
Especial mostra jornada de família síria de refugiados
Leandro Fontoura: Dom Irineu
De lá para cá, a rotina de Ingrid se divide em uma agenda de conferências, palestras e atitudes, como a campanha que desenvolve há três anos no interior de São Paulo em prol de refugiados que vivem no Brasil. No primeiro ano, conseguiu cerca de 2 mil doações de brinquedos e livros para as crianças refugiadas. Neste ano, foram 10 mil arrecadações, que ultrapassaram os limites da pequena cidade onde mora.
A estudante do oitavo ano da Escola Municipal Cecília Meireles, de Valinhos, foi indicada pela ONU Mulheres, como especialista em direitos das meninas para o debate Beijing +20 realizado via hangout e apresentou-se na Cúpula dos Povos - Rio+20. Antes de contar sua história e cantar sua música no TEDxUnisinos, ela conversou com Zero Hora.
Depois que você ficou conhecida pelo trabalho com refugiados e pelas composições, com reconhecimento da ONU e participação em eventos internacionais, como ficou sua rotina?
Minha vida era normal, como a de qualquer criança de nove anos que brincava de boneca. Bem, então eu tomei a decisão de enviar a carta ao Unic-Rio (Centro de Informação das Nações Unidas no Rio de Janeiro) e essa foi a maior decisão da minha vida. Eu queria mandar uma mensagem à ONU unindo povos as culturas por meio da música. Minha vida, depois disso, nunca mais foi a mesma. Nas minhas férias, a ONU aqui no Brasil me envia materiais para eu estudar sobre guerras, como a da Síria e do Oriente Médio. É que participo de debates via hangout. No ano passado, participei de um debate mundial sobre direito das meninas. Fui convidada como especialista. Foi muito legal, tive de estudar 300 páginas. Foi um sonho realizado. Desde pequenininha, eu sonhava em fazer palestras. Lembro que ensaiava, pegava bichos de pelúcia, como plateia, e um controle de brinquedo. Imaginava as palestras em casa.
O que despertou o seu interesse pelos problemas humanitários?
Acho que começou quando eu nasci (risos). Toda a pessoa tem uma missão, ela não está aqui por nada. Acredito muito nisso. Quando eu assistia a noticiários, via crianças sofrendo em guerras, fiquei muito chocada. Eu ali, na minha casa, e pessoas tendo casas bombardeadas. Eu ali, estudando numa escola, e crianças aprendendo a usar uma arma. Então, aquilo tudo despertou a minha vontade de ajudar.
E quando você decidiu relacionar essa vontade à música?
Eu já queria tocar e, com a música, eu pensava em levar uma mensagem para as pessoas para que elas se inspirarem e comecem a fazer coisas para mudar o mundo.
Como você avalia a participação dos jovens nessas questões?
As pessoas costumam dizer que essa geração está perdida, que o mundo está perdido. Gente, o mundo não está perdido. A gente vê crianças já demonstrando vontade em ajudar outras pessoas. Isso já está nos contaminando para o bem. Por exemplo, a tragédia do menino Aylan (menino sírio encontrado afogado em uma praia turca, cuja foto virou símbolo do drama dos refugiados) fez com que as pessoas começassem a se movimentar. Isso abriu os olhos das pessoas sobre os refugiados, mas eles existem há muito tempo. Então, não é de hoje, mas acho que agora estamos prestando mais atenção no próximo. Aqui no Brasil, temos 8,4 mil refugiados e outros 8 mil com solicitação de refúgio.
A tecnologia ajuda como nas suas ações?
Bem, foi na internet que comecei. Participo de debates via hangout, compartilho notícias. Muitos pensam que na internet só tem besteira. Não é assim, basta saber usá-la bem.
Quantas composições você já fez e no que se inspira?
Não sei contar quantas composições eu fiz. Minha mãe encontra música embaixo da cama, no meu armário... Tenho música em todo o lugar. Eu me inspiro em fatos do dia a dia e até em situações em família. Na música, transmito tudo aquilo que penso e quero.
Quais as suas inspirações musicais?
Sempre digo que são três: Michael Jackson, ele era maravilhoso, a Laura Pausini e a cantora belga Selah Sue. Nem sei como cheguei a uma cantora belga (risos).
Por onde você acredita que começaria um mundo mais justo?
Primeiro, as pessoas precisam mudar por dentro, precisam começar a disseminar ideias.
Mas a juventude tem esse engajamento?
Falta atitude, sim. Dá uma preguiiiiiiiça de fazer, mas a gente precisa fazer, né? Quando se tem um sonho, não se pode parar porque apareceu um muro na frente. Tem de derrubá-lo até acabar as forças. Muita gente diz que sou inspiração, mas vejo que elas também podem ser inspiração. Todos podem. A gente só precisa fazer, ser inspiração.
O que impediria essa primeira atitude?
A preguiça, mas os pais precisam apoiar. Eu tive esse apoio. Se você tem apoio, você já se encaminha.
Você precisou derrubar muros?
Tem a burocracia e aquela coisa "adolescente-de-13-anos-que-faz-campanha-para-refugiados-no-brasil-isso-é-verdade?"
A idade foi um obstáculo para que acreditassem nas suas ideias?
Bem, as pessoas perguntam: "Você tem essa idade mesmo?" "Por que fazer isso com essa idade?" Aí, eu penso: "Adultos". Sabe, não consigo entender adultos. Acho que eu nunca vou entendê-los, nunca vou ser uma adulta (risos).