Inflação, PIB, juros, desemprego. Se temas econômicos já descem amargo para adultos, imagine para as crianças. Explicar que (e por que) a ida ao cinema se tornou mais rara, a viagem para a Disney vai ter que ser adiada ou a bicicleta que deveria chegar no Dia das Crianças vai virar um patinete é delicado. E pode ser tenso.
- A gente teme ser meio duro, encontrar resistência ao mudar alguns hábitos do dia a dia - diz o empresário Alessandro da Costa, pai de Francisco e Luiza, de 9 e 3 anos.
Quando a tormenta chegou, a família teve de cortar os supérfluos - e sobrou para restaurantes, cineminha e outros programas de lazer. Presentes para as crianças, só em datas especiais. Alessandro e a esposa, Flávia, passaram a conversar com os filhos sobre a importância de guardar a mesada para gastar em lanche fora de hora ou brinquedos e evitar desperdícios.
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Do limão à limonada, os pais criaram um sistema de meritocracia, no qual quem arruma a cama, dorme no próprio quarto e faz a lição de casa acumula estrelinhas em um quadro negro e pode escolher qual será a diversão de todos no final de semana.
- Aproveitamos o controle de gastos para mostrar que alguns esforços para conseguir o que se gosta valem a pena - diz Alessandro.
Como a crise impõe mudanças na rotina dos brasileiros, é difícil blindar os filhos da realidade exterior. Saber como abordar o assunto da forma mais adequada é a chave para preparar as crianças para um mundo menos colorido do que se acostumaram a viver.
- A melhor forma de explicar as limitações no orçamento é associá-las a situações práticas que conversem com a realidade da criança - explica Mariana de Souza Arieta, Orientadora Educacional dos anos iniciais do Ensino Fundamental do Colégio Rosário.
Síndrome de João e Maria
Isso significa aproveitar para explicar por que a escolha por uma TV mais simples decorre de o pai não estar trabalhando no momento. Ou ainda mostrar como algum restaurante anda mais vazio e famílias já não conseguem mais jantar fora tantas vezes
quanto gostariam.
- Não é preciso falar de cifras e valores, e nem é recomendado. Toda criança tem o que chamamos de "síndrome de João e Maria", um medo da privação, do empobrecimento. O melhor é explicar as mudanças na rotina - aponta Cássia DAquino, especialista em educação financeira para crianças.
Nessa empreitada, o discurso dos pais precisa estar alinhado. Caso um componente da família tenha perdido o emprego e seja preciso se desfazer do carro ou se ausentar de casa por mais tempo em razão de um segundo trabalho, os pais devem decidir juntos pelas mudanças, e depois levar a notícia à criança.
- Os filhos pequenos não têm que receber o peso de ajudar a família a decidir quais gastos sacrificar - diz Cássia.
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Frustrações podem ocorrer, e é preciso aceitar que os pequenos protestem. O importante nesse momento, ressalta Cássia, é que a criança saiba que seu sofrimento é reconhecido com a compreensão dos pais. Isso vai deixar a criança preparada para o futuro.
- A boa notícia é que momentos difíceis unem a família. As crianças compreendem o que é dificuldade e valorizam os esforços dos pais - diz Cássia.
Noções de economia amenizam o impacto
Nada melhor para vencer a crise do que esperar por uma crise. A máxima do mundo corporativo se encaixa à educação financeira dentro de casa. Preparar os filhos desde pequenos para lidar com dinheiro, poupar, resistir ao consumismo e evitar dívidas é um atalho para adaptá-los a tempos de vacas magras.
- O tema pode ser trabalhado por meio de reportagens, leituras complementares, tirinhas, recortes que permitam a construção de conhecimento - exemplifica Reinaldo Domingos, educador e terapeuta financeiro, presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin).
A receita de quem está conseguindo equilibrar o orçamento
Na escola, é possível aproximar os alunos do mundo das finanças ao envolvê-los em pesquisas e comparativos e estimular a discussão de temas como inflação, emprego e carreira.
Algumas escolas desenvolvem atividades pedagógicas e dinâmicas que envolvem educação financeira. Em abordagens interdisciplinares e que permeiam todo o período escolar, o Colégio Farroupilha passou a elaborar atividades que mesclam sustentabilidade com controle financeiro.
Recentemente, os alunos das últimas séries do Ensino Fundamental e do Ensino Médio foram até o tapume de um canteiro de obra na Avenida Independência, na Capital, onde desenharam uma espécie de Jogo da Vida Financeira. Como em um tabuleiro, os quadrinhos mandavam o jogador avançar ou recuar conforme comprovasse seu controle de gastos.
- A ação chamou a atenção de quem passava nas ruas. Eles aprenderam como controlar os gastos e também ensinaram a vizinhança - diz a professora de matemática Renata Urruth Rosa, uma das idealizadoras da ação.
Em outra atividade, alunos do 6º ano levaram brinquedos e eletrônicos que eles mesmos ou os pais haviam deixado de lado pouco depois de comprar. Cafeteiras, robôs elétricos, livrinhos de pintura serviram de exemplo de gastos que poderiam ter sido evitados.
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O repórter Erik Farina produzirá as matérias da série Encare a Crise.