As preferências musicais de Joana, sete anos, incluem as trilhas sonoras das telenovelas "Violetta", "Carrossel" e "Chiquititas". Na opinião da mãe, a professora Luciana Gomes Ratto, 42 anos, são canções adequadas à faixa etária da caçula, que gosta de assistir a vídeos dos ídolos no tablet. Mas às vezes o gosto da menina sofre interferências externas: no pátio da escola, na recreação ou em festas de aniversário, Joana absorve outros tipos de músicas, o que provoca certo alvoroço na volta para casa. Quando a filha se arrisca em trechos do funk da carioca Anitta, Luciana estremece, diz que chega a sentir comichão.
- Para com isso. Você sabe que eu não gosto - alerta a mãe.
Joana ri e interrompe a cantoria. Às vezes, entica:
- Velha!
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Ocorre um que outro conflito também com os guris. Antônio, nove anos, fã de música gauchesca, e Francisco, 11 anos, admirador de Maroon 5 e Bruno Mars, em algumas ocasiões também tentam se aventurar por conteúdos impróprios para a idade. "Ah, mas por que eu não posso?" e "eu não sou mais pequeno" estão entre as reações dos guris aos vetos. Luciana deixa bem claro: letras com palavrões e referências sexuais estão proibidas. A mãe também orienta o trio para que evite esse tipo de contato na casa de amigos, alegando que "minha mãe não deixa".
- A Joana tinha cinco anos e aprendeu funk ao ouvir a babá escutando. Tem pais que acham bonitinho, engraçado. Me dá tanto pânico que mando parar, mas às vezes me vejo de mãos atadas. Não quero que eles ouçam certas músicas, mas me desmonto quando chego à festa junina da escola e está tocando funk - exemplifica Luciana. - Como eu vou dizer para a criança que ela não pode cantar se na escola dela escutam isso? Fico meio sem saber. Será que estou fazendo certo? - questiona-se.
Para a psicóloga Michele Scheffel Schneider, os pais devem estar sempre atentos ao tipo de informação a que os filhos têm acesso. É importante não incentivar o comportamento da criança que canta ou dança vulgaridades. Aplaudir, dar risada e gravar um vídeo para compartilhar nas redes sociais são atitudes inadequadas.
- Os pais devem conversar, tentar entender como e onde a criança teve acesso a isso, o que ela achou. Eles não devem xingar, mas acolher. A criança, muitas vezes, não sabe que isso é inadequado - afirma Michele.
As regras são semelhantes para os filhos de Denise Golder Rodriguez, 42 anos. Aprendizes de piano, Matheus, 13 anos, e Carolina, oito anos - ela também estuda violoncelo - apreciam música clássica e acabam absorvendo ainda boa parte do gosto musical da mãe, apreciadora de bandas como Titãs, Ira! e Legião Urbana. Essas preferências não impedem que, em festas, a dupla se confronte com o que em casa não entra: Carolina acaba copiando as amigas nas coreografias de Anitta, e Matheus tem de ouvir o funk que nem curte. Denise mantém conversas objetivas e francas com ambos, antevendo que os filhos terão de lidar com medidas cada vez maiores de liberdade até conquistar a independência completa.
- A gente sabe que haverá um momento em que vai ter de largar e confiar. Confio, mas sempre com olho aberto - comenta a mãe.
Privacidade se ensina desde cedo
Palavras novas e incompreendidas em músicas, filmes ou sites podem levar a criança a ter a curiosidade despertada para temas não condizentes com a sua faixa etária. Em shows, festas de aniversário ou programas de televisão, as referências a desejos e posições sexuais, cantadas e coreografadas em grupo, representam o risco de que meninos e meninas ainda em formação assimilem conceitos importantes com distorções, o que pode provocar impacto no futuro.
- As crianças entendem que é natural expressar aquilo de forma coletiva. Os critérios de privacidade e intimidade são banalizados. Temos de ensiná-las a dar valor à intimidade. As coisas hoje estão tão públicas e tão coletivas que se perde esse valor. Privacidade se ensina desde cedo - recomenda a psicóloga Lina Wainberg, especialista em terapia de casal e família.
Na opinião da psicóloga Michele Scheffel Schneider, a exposição precoce a esse conteúdo de cunho sexual pode provocar o não processamento adequado dessas informações, causando agitação e ansiedade. O ideal é que os pais monitorem o que os filhos acessam. No caso de crianças pequenas, quem decide o que elas ouvem e assistem são os adultos. Com filhos maiores, a partir da pré-adolescência, o pai e a mãe devem conversar e estabelecer combinações, entrando em acordo.
- "Lá você não vai, esse site não pode, aqui não dá", daqui a pouco tudo vira conflito e há um afastamento. Tem de explicar. Se não pode, dizer por que, justificar as ações e propor sugestões - indica Michele.
O que é possível controlar
> Em vez de supervalorizar as produções da sua juventude e maldizer tudo que é feito hoje em dia, busque demonstrar disposição para conhecer o que o seu filho escuta no player, assiste na TV e acessa na internet. Vocês podem ter bons momentos juntos descobrindo artistas, canções, filmes e jogos.
> Bloqueie o acesso ao que você considera impróprio. Exponha seus argumentos e sugira substituições.
> Não há como manter controle total sobre tudo o que chega até a criança. Procure conhecer os amigos e as pessoas com quem ela estabelece vínculos fora de casa.
> Acione a escola quando perceber algum comportamento inadequado em andamento entre os alunos. Uma conversa entre os pais da turma pode ser proveitosa.
> Quando o assunto é sexo, responda ao que a criança perguntar. Não se aprofunde em longas explanações, ampliando o foco da dúvida manifestada.
> Não incentive a reprodução de palavrões ou letras de músicas vulgares e grosseiras. Deixe claro que esse tipo de comportamento não é aceitável.
> Cuidado com a intensidade ao reprimir certos comportamentos. A criança, às vezes, nem percebe ou não entende aquilo que está ouvindo. Em algumas situações, basta dizer que a música não é adequada, trocando-a por outra.
Fontes: Lina Wainberg, psicóloga, especialista em terapia de casal e família e doutora em Psicologia, e Michele Scheffel Schneider, psicóloga, mestre em Psicologia Clínica e professora da Unisinos