Dois anos depois de um vai e vem involuntário ao hospital, onde foi submetida a quimioterapia para tratar a leucemia, a jovem Ananda Liz Mattos, de 8 anos, colocou novamente os pés no local. Só que, dessa vez, por vontade própria.
Após o término do tratamento que levou suas madeixas embora - parte mais difícil da quimioterapia, segundo ela - Ananda, que foi uma das primeiras pacientes do Hospital da Criança Santo Antônio da Santa Casa a receber uma peruca pela ONG Cabelaço, se tornou a primeira a devolver as madeixas para outra paciente que esteja precisando dessa injeção de autoestima.
Durante a tarde de ontem, Ananda se reencontrou com a equipe que a acompanhou durante o tratamento para entregar a cabeleira. E junto ainda doou outra peruca que havia ganhado das amigas de sua avó:
- Meu tratamento terminou, e eu comecei a terceira série com o cabelo já um pouquinho crescido. Então, decidi parar de usar as perucas e vi que elas podiam deixar outra pessoa tão feliz quanto eu fiquei quando me deram.
O diagnóstico de Ananda veio em meados de 2013, quando tinha seis anos e morava, com a família, em Santa Catarina. Acostumada a ser uma criança ativa, a correr e dançar, notou que ficava mais cansada do que o normal quando saia para brincar. Depois de uma bateria de exames, veio o diagnóstico: ela estava com leucemia. Foi quando a mãe, Graziela, de 29 anos, e o padrasto Gabriel, de 27, decidiram se mudar para a capital gaúcha para acompanhar o tratamento.
- Ficamos dois anos por aqui, entre períodos de internação no hospital e outros em casa. Um dos momentos mais importantes foi quando a Ananda ganhou a peruca e, a partir daí, aceitou voltar para a escola. Os colegas da nova escola receberam ela com muito carinho, e um pouco de curiosidade também - relembra a mãe.
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Ananda conta que, ao longo do ano letivo, tomou coragem em alguns momentos e tirou a peruca para mostrar sua careca aos professores e colegas. Em outros, o resultado da quimioterapia apareceu sem querer:
- Um dia eu estava brincando no pátio da escola, no gira-gira, e caí. Quando me levantei, vi que estava sem a peruca e comecei a chorar. Mas os colegas me ajudaram e deu tudo certo.
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Com o término do tratamento e a tímida volta dos cabelos naturais, a jovem aos poucos foi deixando de usar a peruca. Ao início do ano letivo de 2015 - ela agora está na terceira série do Ensino Fundamental - decretou que passaria a assumir seus cachos naturais. Foi quando teve a ideia de devolver a peruca.
Aproveitando uma vinda a Porto Alegre, nesta semana, para fazer exames, pediu para a mãe deixar avisado que gostaria de levar a felicidade a outra paciente. Juliana Martini, administradora da ONG Cabelaço que recebeu o e-mail de Graziela há cerca de duas semanas, comentou que a iniciativa foi mais que uma boa surpresa. Ela despertou a ideia para uma nova iniciativa da organização:
- Achei um gesto muito bonito, e ficamos com vontade de fazer perpetuar essa corrente do bem. Inspirada na Ananda, uma outra paciente que recebeu alta também já devolveu a sua peruca. Todas elas são confeccionadas voluntariamente pela Marry Perucas e Cabelos, ou seja, temos parceiros que se empenham para fazer o bem. Queremos incentivar cada vez mais atitudes como essa.
A peruca, agora novamente sob os cuidados da ONG, será higienizada e a nova dona será escolhida. Então, Ananda fará questão de entregar pessoalmente a peruca para a nova amiga:
- Acho que estou inspirando as pessoas, e acho isso bem legal. Eu faço elas felizes e fico feliz por dentro. Já passei por tudo que elas estão passando, e sei como é difícil. Então, por que não deixar um pouco mais alegre?