No decorrer da História, não foram poucas as mulheres que lutaram contra o machismo. E isso foi feito das mais diversas formas, cada uma ajudando a luta feminista a dar um passo à frente. Na última sexta-feira, a mineira Débora Adorno encontrou uma maneira inédita de constranger homens que a intimidavam com cantadas e olhares: a careta do dentinho.
A careta do dentinho consiste em dobrar o lábio superior para dentro da boca, de forma que a arcada dentária fique exposta constantemente - algo entre o ridículo e o constrangedor. Em um post no seu perfil no Facebook - que já tem mais de 18 mil curtidas, 2,6 mil compartilhamentos e virou notícia no BuzzFeed - Débora conta que, "de um segundo pro outro, eu parei de receber cantada, tipo, NENHUM CARA MAIS MEXEU COMIGO! Os caras olhavam e rapidamente desviavam o olhar". "Nessa hora choveu um arco-íris dentro de mim", ela resume.
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- Foi coisa de momento, mesmo. Nós, mulheres, acabamos tendo que nos "acostumar" com essa situação. No Brasil e em muitos outros países existe essa cultura machista muito forte, que dita que cantadas de rua são inofensivas, apenas elogios. Assim, os homens se sentem no direito de nos abordar. O que me motivou a escrever o post foi o sentimento que tive de estar empoderada, de estar ativamente lutando e "vencendo" a cultura machista - conta a estudante de Administração Pública, 22 anos, em entrevista a ZH via Facebook.
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Tudo rolou na sexta-feira, mas a história ganhou fama nesta terça-feira, quando o portal BuzzFeed reproduziu o post de Débora. Desde lá, a estudante diz que seu perfil no Facebook "ficou maluco". Segundo ela, praticamente todas as mensagens são de parabéns e agradecimento.
- Mas tem também muitos homens que parece não terem entendido nada do texto, já que puxam conversa comigo justamente para me passar cantadas! - diz.
Por ser divertido e ter sido escrito de uma maneira engraçada, o post não foi entendido por muitas pessoas, garante Débora. Ela diz que muitos viram o texto como uma piada atacando pessoas com deficiência física - já que em determinado momento, ela escreve que "os caras olhavam e rapidamente desviavam o olhar, provavelmente pensando que eu tinha alguma deformação ou doença" - algo que nunca foi sua intenção.
- Jamais quis ridicularizar ou ofender essas pessoas. Se o fiz, peço imensas desculpas. O objetivo principal do relato foi criticar a cultura machista das cantadas de rua e relatar a maneira que encontrei de me defender dos assédios _ diz a jovem.
Desde sexta-feira, Débora saiu pouco de casa. É provável que as cantadas e os assédios não tenham sido os últimos. Caso ocorra de novo, ela diz que pretende continuar utilizando a técnica. Mas lamenta que a forma que achou para se afastar das aproximações indesejadas envolva modificar sua aparência, e não a cultura machista:
- O fato de eu ter conseguido constranger os homens e assim evitar cantadas foi conquistado a partir do fato de que eu tive que moldar minha aparência para uma aparência que não fosse o padrão machista de beleza. Isso é complicado, porque não somos nós, mulheres, que devemos nos moldar para que não sejamos atacadas. Isso passa um pouco a ideia de culpabilização da vítima, que seria algo como "ah, se a garota não fez a careta do dentinho, ela estava querendo receber cantadas".