O produtor cultural Rafael Ferretti, 43 anos, não queria levar seu baixo desprotegido para um show que teria de fazer no último fim de semana, em um bar de Porto Alegre. Havia perdido a capa do instrumento em outra apresentação da banda, e a nova, que comprou pela internet, não chegaria a tempo. Recorreu à vizinhança:
- Oi pessoal. Vou ter um show no sábado e estou sem capa para o meu baixo. Alguém pode me emprestar?
Essa mensagem não foi publicada no Facebook nem colada no elevador do edifício. Foi divulgada no Tem Açúcar?, uma plataforma online de pedidos e empréstimos entre moradores de um mesmo bairro, pensada para estimular a sustentabilidade e resgatar o hábito da boa vizinhança - em uma época em que, na correria, só se dá bom dia e olhe lá.
A salvação para o problema de Ferretti estava a cinco quadras da casa dele, no Centro Histórico. A designer Aline Weschenfelder, 23 anos, tinha uma capa acumulando pó em casa e enviou uma resposta ao pedido (foi sua estreia; dois dias depois, emprestou um aspirador de pó).
- Meu violão fica na sala, e a capa, atirada em cima do roupeiro. Não tinha por que não emprestar. Assim, resgata-se o espírito de viver em sociedade. Hoje, a gente nem percebe, acaba parecendo normal, mas é um absurdo não saber nem o nome do seu vizinho de porta - conta ela.
A lógica da startup que ainda engatinha, mas já tem 18 mil cadastrados em 580 cidades do Brasil (655 em Porto Alegre), é substituir consumo por compartilhamento, otimizar a reutilização dos bens materiais que já existem e, quem sabe a longo prazo, impactar a rotina de produção das indústrias.
- Quero incentivar essa cultura da economia circular. Será muito pesado para o ambiente, de onde se tira matéria-prima e energia, se todo mundo comprar algo que pretende usar apenas uma vez ou outra - aponta a criadora do Tem Açúcar?, a designer em sustentabilidade Camila Carvalho, 25 anos, que mora no Rio de Janeiro.
Como funciona o temacucar.com
- Você cadastra seu endereço e, em um campo de busca, digita o que está procurando: furadeira, barraca de acampamento, jogo de tabuleiro, vestido de festa, chave de fenda ou qualquer outra coisa. Só não pode pedir emprestado dinheiro, serviços ou imóveis.
- O site se encarrega de perguntar às pessoas cadastradas no mesmo bairro se elas têm o que você precisa.
- Se achar, você e seu vizinho são postos em contato para combinar as condições do empréstimo, como prazo para devolução e condições de uso.
- Depois, é só deixar um feedback no perfil do vizinho sobre como tudo funcionou. Ele também vai deixar um comentário sobre você. Assim, nos próximos empréstimos, as pessoas vão saber se você é responsável e cuidadoso com os pertences alheios (ou não).
- Se no seu bairro o serviço ainda não está disponível, é possível convidar seus amigos para participar. A comunidade de empréstimos funciona com um número mínimo de 13 pessoas.