Tallis Gomes é o protótipo do jovem empreendedor. Brasileiro nascido em uma pequena cidade de apenas 37 mil habitantes, no interior de Minas Gerais, parece ter se criado no mundo. Se comunica com termos em inglês, sugados do universo dos negócios, onde as startups são a aposta da vez. Em 2012, aos 25 anos e depois de investir em três empresas, conseguiu deslanchar com o Easy Taxi, um aplicativo que hoje conta com 1,3 mil funcionários, 200 mil taxistas cadastrados e 10 milhões de usuários espalhados por mais de 30 países (é possível que, quando você leia isso, os números estejam obsoletos, já que, a cada dia, a empresa conquista novos adeptos).
Confira a entrevista de ZH com Tallis Gomes:
Você começou a empreender muito cedo, aos 14 anos. Como foi esse despertar para os negócios?
Eu tinha uma banda de rock com colegas da escola e precisávamos comprar uma bateria. Era 2001, e a onda de celulares com câmera estava começando a crescer no Brasil. Conheci o Mercado Livre e vi que tinha milhares de ofertas de aparelhos. Fiz um catálogo com os produtos cobrando 25% a mais que os anúncios e passei a oferecer para pais de meus colegas, professores e outras pessoas. Eles faziam o depósito na conta do meu avô, eu comprava o produto, ficava com os 25% e entregava na casa das pessoas. Conseguimos comprar a bateria e, aos 16 anos, fui morar sozinho em Juiz de Fora. Terminei o colégio lá e depois fui para o Rio de Janeiro, onde comecei a faculdade.
Desde então, você teve outras três empresas. O que você aprendeu nesse período?
Aprendi na primeira empresa que execução é fundamental. Você tem de ir para a rua, tirar a ideia do papel. No meu segundo negócio, em que falhei, tive um dos maiores aprendizados na minha vida, sobre timing (tato para o momento oportuno de empreender): você pode ter o melhor produto do mundo, se não está na hora certa, você vai falhar. No meu caso, eu falava de gamificação e mídias sociais em 2006, e as empresas nem tinham mídias sociais na época.Outra grande coisa que aprendi é que, se você não faz muito rápido, alguém fará mais rápido que você e dominará o mercado. Na Easy Taxi, eu nunca tive férias, não tenho final de semana, trabalho 14 horas por dia, mas tenho tesão em fazer tudo acontecer.
E como você criou a Easy Taxi?
Eu estava participando de um campeonato de empreendorismo no Rio de Janeiro e tinha a ideia de fazer algo para resolver o problema do trânsito, para auxiliar as pessoas a deixarem os carros em casa. Tive a ideia de um aplicativo para monitorar ônibus, que apontaria quais passariam no local onde o usuário estava para o destino que desejasse. O Dave McClure, um dos maiores gurus do empreendorismo, estava no evento, foi na minha mesa e acabou com o meu sonho. Ele disse: "a Google tá fazendo isso, garoto, desiste". Fiquei arrasado, meu time foi quase todo embora. Isso era sexta-feira e o campeonato ia até domingo, quando tínhamos de apresentar um projeto. Saí de lá pelas 23h sem ideia nenhuma e liguei para uma cooperativa de táxi para chamar um veículo. Me disseram que em 10 minutos chegava, mas passou 40 minutos e nada. Liguei de volta e falaram que não tinha táxi. Não conseguia táxi na rua, estava chovendo, e aí me dei conta que a ideia do ônibus poderia ser aplicada para os táxis.
Você sofreu muita resistência?
Sim. Em 2011, não era muita gente que tinha smartphone. Meu argumento era: mas vão ter, né? Eu estava acompanhando a curva de crescimento dos smartphones no país e sabia que dali a um ano todo mundo ia ter. Fui visto com muita descrença não só pelos usuários, como pelos taxistas. Os investidores não acreditavam em começar aquilo naquele momento. Vendi meu carro, peguei todas economias que tinha e fui investindo na empresa até que ela foi ganhando tração e eu consegui o primeiro aporte de capital.
E quem foi o primeiro investidor?
A Rocket Internet, em outubro de 2012. Foram R$ 10 milhões. Foi preciso alguém de fora do Brasil para reconhecer o potencial do nosso negócio. Mandei um e-mail para eles apresentando a Easy Taxi, e alguns dias depois o CEO no Brasil me ligou e nos encontramos. Foi a empresa ideal, porque tinha como nos dar suporte em 70 países, e nossa intenção era expandir. É o que chamamos de smart money, um investidor que agregue tanto conhecimento como dinheiro.
Como sustentar o projeto?
Através de investimento, até que comece a ser monetizado. Ficamos um ano fazendo o negócio acontecer, até começarmos a monetizar em outros países. Tentamos cobrar uma porcentagem dos taxistas no Brasil, mas paramos para não deixar a concorrência expandir. Você precisa de um investidor para segurar e ter caixa. Na Easy Taxi foram, até agora, quatro grandes aportes que somaram R$ 120 milhões. Todos de fora do país.
Quais foram as barreiras para criar uma plataforma viável?
Desenvolver a tecnologia. Eu criei a plataforma na mão. No início, criei o MVP (produto viável mínimo, versão mais enxuta possível de um produto focada em testar e validar a ideia) e fiz uma validação. Peguei uma página pronta na internet com um formulário para pedido de táxi. Eu recebia os pedidos, entrava no Google Maps, achava os pontos de táxi, pedia o carro, ligava para o cliente e avisava o número do carro e o nome do taxista. Vi que funcionava e fui procurar os sócios de tecnologia. Somos quatro. Eles construíram a plataforma mobile em cima da lógica que eu tinha criado.
As diferenças culturais acarretam em mudanças no aplicativo de um país para o outro?
Sim. Em alguns países, cobramos por corrida, em outros, uma taxa mensal. Na Coreia do Sul, o taxista só atende a corrida se já souber o destino, tivemos de adaptar o aplicativo. Já no Paquistão, todos os dias tem as horas em que eles viram para Meca e rezam, acho que são umas três vezes ao dia. Programamos o sistema para não tocar nestes momentos, senão é falta de respeito.
A empresa já está dando lucro? Você pensa em vendê-la?
Não. Estamos expandindo cada vez para mais países. É um momento de investimento, não de visar lucro. Queremos dominar ainda mais o mercado. Para mim, como acionista, tanto faz o futuro. Posso ter dividendos, fazer um IPO (oferta pública inicial de ações, quando uma empresa abre seu capital e passa a vender ações na bolsa) ou um exit (saída do empreendedor de uma startup, muitas vezes para começar uma nova). Mas no momento, pensamos em construir uma grande empresa de fato.
De onde advêm as dificuldades enfrentadas ao se desenvolver uma startup no Brasil?
Falta preparo dos empreendedores, e muitos investidores pensam pequeno, acreditam que "porque é feito no Brasil, não vai crescer lá fora". Uma frase de um grande empreendedor que balizou minha vida desde os 14 anos é: "pensar grande e pensar pequeno dá o mesmo trabalho, então por que pensar pequeno?". Com preparo, vontade e alguém que acredite (na sua ideia), tudo é possível. Parece uma epopeia, autoajuda, mas é verdade.
Qual a situação do país em termos de desenvolvimento de softwares e tecnologia de informação?
Estamos atrás em mão de obra, que é muito cara no Brasil. Temos um governo supertaxativo com os empresários. Isso atrapalha muito quem quer desenvolver e gerar emprego. Para cada funcionário, temos de pagar o governo, mas o governo não dá transporte, plano de saúde, nada para o funcionário. Temos muitas oportunidades no mercado de software e serviços, o problema é que não temos suporte para desenvolver isso. Há alguns programas governamentais como Startup Brasil que ajudam, mas o investimento deveria
ser a longo prazo.
Quais as suas dicas para quem quer começar um negócio?
Vá para a rua testar sua ideia. Não existe plano que resista ao primeiro contato com o mercado, então é preciso passar por isso para fazer os ajustes. E você tem de fazer um produto matador, então tem de ter um time matador.
Atualmente há diversos aplicativos para chamada de táxis. Quais as estratégias da Easy Taxi para se manter líder?
Estamos investindo no táxi 360 graus. Já estamos com esses outros dois produtos, Easy Taxi Pay e Easy Taxi Corporate. Mas estamos com muitas novas ideias, que obviamente ainda não posso contar.
Aos 27 anos, você é um case de sucesso. O que falta?
Muita coisa, eu estou recém começando. Acho que, para ser um empresário de sucesso, tenho de entregar muito mais valor para a sociedade. Talvez, com os próximos negócios, eu vá conquistando isso aos poucos. A noção de sucesso leva ao comodismo, e ficar na zona de conforto é algo que não combina comigo.