Dos artistas que sempre estiveram aí na nossa vida, Caetano Veloso é o que mais tem me provocado. Esqueça as piadas sobre o caráter etéreo de suas respostas, o imbróglio sobre permitir ou não ser biografado ou sua proximidade com Maria Gadú. O cara foi parte fundamental da criação e projeção da Tropicália, lançou uma série de discos emblemáticos, teve fracassos retumbantes - como todo artista -, e se propôs - nos passos mais recentes da sua carreira, a enveredar pelo rock. Cê, Zii & Zie e Abraçaço são a tríade desse período que acaba compilada em Multishow Ao Vivo: Caetano Veloso - Abraçaço.
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Mas não, essa coluna não virou um espaço para falar de música. Pelo menos não como crítica. É que não são poucas as vezes em que um poema, um livro, um conto, uma música, um texto é capaz de nos tocar profundamente, ou nos fazer despertar, ou nos fazer mergulhar em novos estados de crença e vivência. E quando ouvi este novo disco ao vivo de Caê, e, principalmente Eclipse Oculto, uma série de lâmpadas se acendeu dentro de mim. Dei para elas a missão de iluminar dúvidas e entregar certezas - que podem ser frágeis como o desejo por sobremesa diante da dieta. Pesquisando depois, descobri a versão original e regravações espetaculares do Barão Vermelho (com Cazuza nos vocais) e de Céu. São elas e a original de Caetano que recheiam de som o texto de hoje.
Então, se vocês me permitem, vou usar os versos de Eclipse Oculto para falar sobre resignação diante do amor não realizado, essa coisa tão difícil de entender quando somos mimados (e quem não é, em alguma escala?).
Nosso amor não deu certo
Gargalhadas e lágrimas
De perto fomos quase nada
Tipo de amor que não pode dar certo na luz da manhã
E desperdiçamos os blues do Djavan
É, às vezes a gente precisa se convencer de que nossos amores não dão certo, por mais dolorido que isso possa ser. Não, eu não falo de quando se vive o amor e aí alguém decide partir. Ou quando o amor acaba e tu se vê sozinho no meio do tempo e das lembranças.
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Eu falo mesmo é quando acontece um encontro - como é bem a temática da música de Caetano -, o olho brilha, a vontade acende, a boca deseja, mas a vida ao redor não permite que o encontro de fato aconteça. Há passos demais, obstáculos demais, compromissos demais. Escolha o motivo da sua falta de sorte. Pode ter sido aquele cara que te cedeu a vez no bar da festa, com quem você engatou uma conversa de poucos minutos enquanto seu drink ficava pronto, e que, de copo na mão, hesitou se pedia ou não o telefone dele. Afinal, seu namorado te esperava na pista, mas - e qual o problema? - porque não pegar o telefone do cara que fez seu olho brilhar em pouco mais de quatro frases trocadas? Às vezes a vida precisa de mais que apenas segurança.
Mas bem que nós fomos muito felizes - só durante o prelúdio
Gargalhadas e lágrimas até irmos pro estúdio
Mas na hora da cama, nada pintou direito
É minha cara falar: não sou proveito, sou pura fama
Também tem aquele outro momento muito decepcionante do amor, quando por mais sincronia e sintonia exista entre as duas pessoas, ela não passa do campo das ideias. É nessa hora que eu lembro de uma professora de Biologia, que na 8ª série queria convencer seus alunos entupidos de hormônios que existia sim, beleza em namorar só vendo o por-do-sol e tomando sorvete. Existe, claro que existe. É inegável e até lamentável que se pense diferente. Mas diante de alunos de 14 anos sendo repreendidos pela pegação exagerada (só uns beijinhos, por deus) na viagem da escola, nada disso fazia sentido.
E hoje, nós, adultos, vividos, experimentados, conhecendo pessoas e interagindo com elas, em um momento ou outro chegamos ao momento de dizer "vamos pra sua casa ou pra minha?". E o que vem logo depois desse momento, muito embora esteja envolto em diversos outros fatores que não só o encaixe do encontro, é condição quase que definitiva para que um amor dê certo. Se na hora da cama nada pintou direito, melhor sermos só amigos, né?
Não quero que você fique fera comigo
Quero ser seu amor, quero ser seu amigo
Quero que tudo saia como som de Tim Maia:
Sem grilos de mim, sem desespero, sem tédio, sem fim...
É, as coisas nem sempre são fáceis para o amor. Aliás, minto: nada é muito fácil para o amor. Tem a rotina, tem os defeitos, tem os desencontros, tem a falta de paciência, os atrasos e todas aquelas coisas que a gente lista quando começa a pensar em terminar um relacionamento. Por óbvio que o amor não é só isso. É que - não sei se vocês passam pela mesma coisa -, quando uma história profunda assim passa, primeiro tu encara os defeitos para depois elevar as qualidades (até chegar num meio termo saudável).
Então o amor recém-descoberto, mas impossível de acontecer, precisa vir acompanhado de um pedido de desculpas, um esclarecimento, um entendimento qualquer. É tão difícil hoje em dia ver o amor acontecer, nascer, chega a ser mais complicado que evitar a extinção dos pandas. Pois que mesmo com o desencontro, mesmo com a impossibilidade, tu saiba (tu essa pessoa que ama e não pode ter quem ama): que tudo saia como um som de Tim Maia, sem tédio, sem grilos de mim, sem fim. Seja o esquecimento, seja o momento, seja o que o destino reservar pra ti.
Não me queixo, eu não soube te amar
Mas não deixo de querer conquistar
Uma coisa qualquer em você
O que será?
Por fim, a redenção, porque o amor impossível também é feito dela.
Não, não se queixe. Ou se queixe, mas não deixe que seja esse o tom do que você quer sentir quando o amor não deu certo. O amor, ele vai e vem, ele some, se esconde, e de repente ressurge, refeito, pode crer, como música do Chico. Tente enxergar as coisas pelo melhor lado possível. Pelo sorrisos que o amor impossível te ofereceu. Pelos momentos e lembranças. Pelos bilhetes e e-mails. Como muito bem dito pelo John Frusciante, ex-guitarrista do Red Hot Chilli Peppers, "O que se foi nunca vai retornar, mas existe quando você pensa a respeito". Ainda assim, quem ama não deixa - aqui e acolá - de querer um souvenir bobo e passageiro da outra pessoa. Pelo menos é assim comigo. E é por isso que, como diz o trecho ali do Caetano, a gente não deixa de querer conquistar uma coisa qualquer no outro.
O que será?