Nina, uma bailarina de 28 anos. José Orsi, engenheiro, 27. Ela se preparava para estrelar o balé O lago dos cisnes, o papel mais importante de sua vida. Ele estava prestes a concluir uma pós-graduação em Economia na Universidade de Mississipi, uma das mais importantes do mundo na área. A pressão profissional desencadeou o primeiro surto de esquizofrenia em ambos. A diferença é que Nina é uma personagem vivida pela atriz Natalie Portman no filme Cisne Negro, recém estreado nos cinemas nacionais. Já Orsi é um homem de carne, osso e sentimentos, que vive em São Paulo com a doença - o mal atinge cerca de 1% da população mundial.
No drama fictício, a dificuldade de lidar com um diretor manipulador, com uma mãe superprotetora e com as pressões de uma profissão que exige levar disciplina e dedicação ao extremo foi o que desencadeou a primeira crise de Nina. Na dura história real, a vida longe de casa, os estudos exigentes e a eterna vontade de deixar o mundo dos cálculos para se dedicar à pintura foram o gatilho para o primeiro surto de Orsi. Nos dois casos, ambos desenvolveram alucinações, um dos sintomas mais comuns da doença, que ainda não tem causa comprovada.
Nina via feridas e sangramentos pelo corpo, que desapareciam num piscar de olhos. Para o engenheiro em crise, a televisão falava e os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos eram amigos que lhe entregariam uma homenagem em breve.
- Além das alucinações, perda da memória e dificuldade de manter a afetividade são outros sintomas muito comuns da esquizofrenia - conta Rogerio Panizzutti, médico psiquiatra e professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Tanto Nina quanto José Orsi desenvolveram a doença tarde. Em geral, o problema se apresenta entre 18 e 20 anos. Ainda não há consenso sobre as causas da doença. Segundo os médicos, fatores como hereditariedade e migrações influenciam.
- Isso não significa que uma pessoa que tenha alguém na família com equizofrenia também vá desenvolver a doença, ela apenas tem mais chances de ter o problema. Não é uma herança obrigatória - explica Panizzutti.
Especula-se que outros fatores, como situações extremas e problemas no parto, também contribuam para o seu aparecimento.
Preconceito
A esquizofrenia é uma doença de altos e baixos. Momentos de sanidade são alternados com crises que envolvem síndrome de perseguição, alucinações, histeria e delírios. Em geral, nos momentos que entremeiam essas crises, surgem problemas secundários - o principal deles, a depressão, quase onipresente entre os pacientes. Especialistas estimam que 50% de todas as pessoas esquizofrênicas tentam suicídio e cerca de 10% conseguem dar fim à própria vida, seja em momentos de alucinação ou em função da depressão subjacente.Segundo o psiquiatra Cecílio Sepúlveda Teixeira, a esquizofrenia funciona muitas vezes como uma base.
- Sobre ela se desenvolvem problemas relacionados. Pacientes esquizofrênicos tendem a desenvolver com mais frequência problemas como transtornos obsessivos e oscilações de humor. Há casos em que, durante as crises, o paciente fica agressivo, em outros, ocorre retardo mental - afirma o especialista.
A diversidade de causas e sintomas sinaliza que o que se conhece como esquizofrenia pode ser na verdade uma série de doenças com sintomas parecidos. Para pacientes e médicos, o principal problema não é lidar com a própria saúde.
- Existe um preconceito muito grande com o paciente com esquizofrenia. A questão social fica muito prejudicada. Muitos ainda veem o esquizofrênico como aquela pessoa que tem que ser internada, mas os avanços nas terapias mostram que não é mais assim - conta o psiquiatra Cecílio Teixeira.
José Orsi também reclama do preconceito:
- As pessoas não olham diferente para quem tem diabetes ou pressão alta, não entendo por que tratar com distinção quem é esquizofrênico.
Conhecendo o problema
Saiba mais detalhes sobre a esquizofrenia:
Causas
* Questões hereditárias
* Migrações
* Traumas
* Problemas no parto
Sintomas
* Alucinações
* Apatia
* Percepção alterada
* Crises de depressão
Tipos
Paranoide - forma que mais facilmente é identificada com a doença, na qual predominam sintomas como desconfiança, sensação de perseguição ou comportamentos maníacos (mania de organização, de limpeza, rituais como usar sempre a mesma peça de roupa), além de agressividade.
Desorganizada - os sintomas afetivos e as alterações do pensamento são predominantes. As ideias delirantes, embora presentes, não são organizadas. Alguns doentes podem mostrar irritabilidade marcada associada a comportamentos agressivos. Existe um contato muito pobre com a realidade.
Catatônica - é caracterizada pelo predomínio de sintomas motores e por alterações da atividade, que podem ir desde um estado de cansaço até a excitação.
Indiferenciada - apresenta habitualmente um desenvolvimento de isolamento social, diminuição no desempenho laboral e intelectual. Observa-se uma certa apatia e indiferença relativamente ao mundo exterior.
Hebefrênica - com incidência na adolescência, é a forma mais agressiva da doença, e com probabilidades de prejuízos cognitivos e sociocomportamentais.
Tratamento
Uso de medicamentos para controlar as crises, além de estabilizadores de humor. Também são recomendados tratamentos com terapias ocupacionais e outras atividades que exercitem a sociabilidade.
Serviço
Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (Abre)
www.abrebrasil.org.br
abre@abrebrasil.org.br