Olhares curiosos seguidos de gargalhadas preenchem o berçário da Escola de Educação Infantil Dona Martha, de Picada Café, na serra gaúcha. De longe, alguém poderia pensar que cócegas ou caretas estão sendo feitas nos pequenos, mas a graça está toda no brinquedo mais interessante que chegou na sala minutos antes: um livro.
Nas mãos das professoras Fernanda Mallmann e Janice Laux, a fantasia saltou das páginas ilustradas. Com latas de tinta têmpera, um circulador de ar e um vaso com terra fresca, a história do livro Um Pé de Vento saiu das páginas e se transformou em sensação para as crianças. A fórmula foi a maneira encontrada para estimular a imaginação dos pequenos e criar um vínculo entre eles e a leitura.
Para entrar na brincadeira, a turma do berçário foi apresentada ao escritor e ilustrador André Neves. E antes mesmo que ele entrasse pessoalmente na sala de aula, os pequenos já sabiam por quem esperavam. Agachado e pé por pé, ele envolveu as crianças. O livro era apontado, admirado. De repente, virava uma casinha. Fazia barulho. Fazia vento. Surpreendia.
- A criança pode dialogar tanto pelo texto quanto pela imagem, mas quando ela não sabe ler, o que fascina mesmo é a imagem. Para ela, o livro nada mais é do que um brinquedo que estimula - observa Neves.
Assim, mais do que a imaginação, a sensação das crianças foi tocada, incentivada, instigada. Ao abusar da criatividade como uma aliada, as professoras conquistaram os pequenos.
- Além de estarem formando leitores, elas estão formando seres humanos mais sensíveis. Isso vai refletir nos adultos que eles serão. Neste caso, adultos leitores - comemora Neves.
Depois que o projeto virou sucesso em sala de aula, a meta das educadoras é que os pais o imitem em casa.
- Se os pais conseguirem apresentar para as crianças o livro como algo lúdico, como mais um material de brinquedo, a questão dos livros vai ficar inserida como qualquer outra brincadeira, e vai se tornar prazerosa porque será familiar - indica a psicóloga Márcia Tomasi.
Dica para a família
:: Acostumado a circular pelo mundo infantil, dentro de salas de aulas, o escritor e ilustrador André Neves - autor de 16 livros infantis - dá dicas de como tornar o momento atraente para os pequenos e alerta: não faça do livro uma obrigação para a criança.
:: A criança não pode associar o livro sempre como uma atividade da escola, tem que ver nele também um objeto de prazer.
:: O livro tem função didática, mas ela não precisa estar sempre explícita.
:: Atividades de sensibilidade ajudam a compreender a leitura. Quando as pessoas perceberem que a fantasia toca muito mais a criança do que a fala direta, começam a usá-la com mais sabedoria.
Pequenos estímulos
:: Estimular crianças por meio da leitura, provocando diferentes sensações, trará resultados positivos quando a vida adulta chegar. A psicóloga Márcia Tomasi afirma que, além de acrescentar na educação e na formação, esse estímulo vai mexer com a personalidade delas, abrindo novas circunstâncias de aprendizagem.
:: As escolas estão buscando a terra, a tinta, o bichinho, sem deixar isso só num imaginário, mas partindo para as sensações. É um trabalho bonito e que deve ser estimulado - avalia a psicóloga.
:: O estímulo com o vento, com a tinta, ou a simples leitura com sons e toques vão instigar a criatividade, que significa melhores possibilidades de relacionamento e de comunicação.
:: Serão crianças com menos medos e receios. Experimentar uma coisa e deixar a imaginação correr solta cria seres mais livres, com menos receios. É importante proteger a criança, mas também é importante apresentar novas sensações - observa a especialista.
Para unir pais e filhos
:: O livro para a criança é um brinquedo que estimula. A história vai levá-la para uma realidade diferente, vai fazê-la viajar e fantasiar. Conforme o psiquiatra Renato Piltcher, da Associação de Psiquiatria do Estado, o importante é que pais e filhos vivam momentos de leitura juntos.
:: Se os pais simplesmente lerem para os filhos, ajudarão na capacidade de pensamento das crianças. Eles perceberão que as crianças ficam encantadas. Se não tem circulador de ar, não tem problema, o pai pode imitar o barulho do vento, soprar - explica o psiquiatra.
:: Quando adultos, a capacidade de encontrar soluções para problemas da vida pessoal ou do trabalho tem a ver com as experiências que a infância trouxe, como a leitura compartilhada com os pais.