Durante muito tempo, José Filgueiras Lins, 56 anos, adiou uma visita fundamental para manter a saúde em dia e não tomou certos cuidados com o corpo que evitariam a situação em que hoje se encontra. Ele reconhece que nunca fez um exame de dosagem de antígeno prostático específico (PSA) - concebido para o médico fazer diagnóstico (ou não) de câncer de próstata -, muito menos o exame de toque retal, tão temido pela maioria dos homens, simplesmente por uma questão cultural.
José atualmente se vê forçado a cumprir uma rotina de dietas e exercícios físicos, de uso de remédios e mudança de hábitos, para que o seu problema cardiovascular não se agrave.
José se encaixa no perfil da grande maioria dos homens: gosta de comer carne vermelha, de beber "socialmente" e de dormir tarde. Exercícios não se encaixavam no ritmo de vida que adotava - até descobrir que era hipertenso. Hoje, faz controle de patologias urológicas e não foge mais do consultório.
Ações preventivas
O governo está divulgando sua Política Nacional de Saúde Masculina. Dentro desse guarda-chuva de programas, surge agora o "pré-natal masculino". A ideia da campanha do Ministério da Saúde - que foi uma das estrelas do 1º Seminário Internacional de Saúde do Homem nas Américas, realizado em Brasília no mês passado - é fazer com que os profissionais de saúde estimulem os homens às vésperas de ser pai para não só acompanhar as parceiras nos nove meses de gestação nos controles de rotina, mas também para que eles façam exames e recebam orientações sobre como evitar contrair doenças.
- O mais importante da campanha é que ela procura trazer o homem para dentro do consultório, seja público ou particular, e isso pode evitar que ele transmita doenças para sua parceira - comenta o urologista Fernando Croitor, que apoia as medidas de prevenção do Ministério da Saúde e acredita que elas poderão lograr êxito se forem cumpridas sistematicamente e em todo o país. - Nossas preocupações mais importantes se concentram no combate a doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), como Aids, hepatites e sífilis, e ainda com o vínculo de parceria e afeto que deve ser fortalecido entre homem e mulher, não somente no período da gravidez - destaca o diretor da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, Geraldo Duarte.
Na cidade do interior paulista, o programa do pré-natal do homem é considerado pioneiro e exemplar. Nasceu do esforço de Duarte, há cinco anos, quando ele começou a tentar difundir a ação para todo o país. Somente agora obteve apoio para isso. O projeto tem um lado afetivo importante, que é estreitar e consolidar os laços entre marido e mulher, de toda a família, além da preocupação com transmissão de doenças e exames preventivos.
- Temos de dar destaque à influência positiva da presença do parceiro no futuro da criança que está para nascer. Daí a necessidade do pré-natal masculino - acrescenta o diretor da FMRP. - Mas eu sou otimista e acredito que o mundo será melhor amanhã, a partir de pequenas ações, pequenos gestos e grandes criações. Temos muitas mazelas no país, e por isso precisamos trabalhar dobrado para mudar esse quadro - afirma Duarte, ao comentar a estrutura do sistema público de saúde.
Adesão
Algumas iniciativas isoladas relacionadas ao programa já existiam em municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro. Agora o ministério quer divulgar a estratégia para todo o país. O órgão repassa R$ 75 mil para o município que adere à Política Nacional de Saúde do Homem, mas a decisão de participar é deles. Para isso, o município deve enviar um projeto ao ministério e preencher alguns pré-requisitos, tais como: adesão ao Pacto pela Saúde, cobertura de no mínimo 50% da estratégia da saúde da família, disponibilidade de serviços de média e alta complexidade e ter acima de 100 mil habitantes.
Desde o ano passado, 80 municípios de todos os estados aderiram à Política de Saúde do Homem. Entre os serviços oferecidos estão ambulatórios e hospitais focados em saúde do homem, ônibus itinerante com consultórios que realizam exames urológicos, palestras educativas, entre outras ações.
O urologista Fernando Croitor observa que, para dar certo, o programa deve ser agressivo e ampliar cada vez mais a sua abrangência. Para ele, o foco é o homem, mas o grande parceiro dos consultórios é a mulher. O urologista diz ainda que há uma grande demanda reprimida nas filas dos hospitais públicos e que o sistema falha nessa hora.
- Observamos a cada ano que aumenta a frequência de procura nos consultórios particulares, e isso indica que alguma coisa não funciona do outro lado (no sistema público). Observamos ainda que aumentou o número de cirurgias de câncer de próstata e isso indica que os homens estão mais precavidos, essa é a parte boa e por isso essa iniciativa do pré-natal masculino é mais do que positiva - pondera o médico.
Costume
Estudos do Ministério da Saúde apontam que os homens só costumam procurar os serviços de saúde quando o problema geralmente já evoluiu. Por isso, acabam recorrendo aos hospitais. Tradicionalmente, aponta a pesquisa, os homens gostam de se ver como durões e fortes e acham que nunca vão adoecer. Atribuem a si o papel de provedores, de cuidadores. Por isso, têm medo de descobrir doenças porque, para eles, essa situação está associada à fragilidade. Mais de 26 milhões de cartilhas sobre prevenção, diagnóstico, tratamento de câncer e promoção de hábitos saudáveis estão sendo distribuídas pelas secretarias estaduais e municipais de saúde.
Ações em expansão
O objetivo do 1º Seminário Internacional de Saúde do Homem nas Américas foi o de apresentar a política brasileira de saúde masculina - criada em agosto do ano passado - aos outros países das Américas e estabelecer uma agenda comum de cooperação internacional. O Brasil é o primeiro país da América Latina e o segundo do continente americano a implementar uma estratégia nacional focada exclusivamente em problemas de saúde do homem - o outro é o Canadá.
A ação foi estruturada para aumentar o número de homens que procuram os serviços de saúde da atenção primária, por meio da sensibilização da população e da capacitação dos serviços de saúde. Esse conjunto de ações tem investimento de R$ 613,2 milhões até 2011, para o atendimento às necessidades dos homens - que vivem, em média, sete anos menos do que as mulheres e têm mais doenças do coração, colesterol e pressão arterial mais elevada. A política é focada na saúde masculina com o objetivo de ampliar o acesso dos homens aos serviços de saúde.
Considera-se que, por motivos culturais, essa parcela da população tem mais resistência a procurar cuidados médicos e ter atitudes preventivas com relação a problemas de saúde. Um dos eixos da política são as iniciativas para estimular o homem a ter uma participação ativa no planejamento familiar, assegurando a eles acesso a informações e métodos contraceptivos. Outra frente de atuação dessa política é o aumento em 20% ao ano do número de ultrassonografias de próstata, para prevenção e diagnóstico de tumores malignos, e o crescimento em 10% ao ano do número de cirurgias para patologias e cânceres do trato genital masculino. Essas ações pretendem aumentar a qualidade e a expectativa de vida masculina.