Oficial do Exército, o gaúcho Nestor Magalhães era um homem do elemento terra. Sentia desconforto na água. Foi apenas em 1992, já com 42 anos, que começou a mergulhar. Foi matriculado “à força” por dois colegas de caserna no Curso Básico de Mergulho da Escola Dirceu Silva Atividades Subaquáticas. Com algum custo, formou-se mergulhador. E o que era uma dificuldade virou paixão. Desde então acumula 284 mergulhos, quase todos em naufrágios. É um dos mais experientes e notórios caçadores desse tipo de aventura no Brasil.
Mergulhador dos Sete Mares, Nestor submergiu no gelado Círculo Polar Ártico, na águas quentes e cristalinas da Micronésia, no calmo Mediterrâneo e no Pacífico (nem tão pacífico assim). A especialidade desse aventureiro porto-alegrense, hoje com 73 anos, é incursionar pelos teatros de operações da Primeira e da Segunda Guerra Mundial. Entre os locais visitados estão Scapa Flow (ilhas Órcades, na Escócia), Narvik (norte da Noruega), Golfo de Biscaia (País Basco, Espanha), Normandia (França), Malta, Croácia, Creta, Vanuatu (na Oceania), Rabaul (Papua-Nova Guiné) e Palau (Micronésia).
Nas explorações, Nestor deparou com tanques Sherman submersos na Normandia, destroços do encouraçado alemão Tirpitz na Noruega, oito submarinos alemães em diversas partes do mundo, dois submarinos japoneses (em Truk Lagoon e Guadalcanal, no Pacífico), um submarino italiano (em Israel), vários caças japoneses Zero em Rabaul, um bombardeiro de mergulho Stuka na Croácia e dois destróieres alemães em Narvik, no Ártico.
Meticuloso, registra tudo que faz. Do tempo médio no fundo do mar (22 minutos, que passam rápido e não podem ser ignorados, pelo risco de terminar o ar comprimido) até a profundidade, temperatura e visibilidade da água, bem como a existência de corrente, que pode ser mortífera para mergulhadores. Os dados de cada mergulho são contabilizados e homologados em um caderno conhecido entre os mergulhadores como Diver’s Log.
Outra preocupação, quase tão grande quanto o risco, é a profusão de permissões necessárias para mergulhar em cada país. A burocracia exige interpretar regras em idiomas diversos, do Oriente ao Ocidente. E descobrir que, muitas vezes, o local ambicionado para a aventura é vetado, como alguns célebres naufrágios como os encouraçados USS Arizona (memorial em Pearl Harbour) e HMS Royal Oak, Scapa Flow, considerados sepulturas de guerra.
Nestor diz que não enfrentou grandes riscos, mas algumas situações considera potencialmente perigosas. Como quando penetrou na sala de controle do submarino alemão U-171, um naufrágio ao largo da Ilha de Groix, no Golfo de Biscaia. Ou penetrou no túnel do hélice do cargueiro japonês Okikawa Maru, em Coron, nas Filipinas. Ou, ainda, quando nadou sozinho sobre o convés do submarino alemão U-853, afundado em combate ao largo de Block Island, na Nova Inglaterra (EUA).
Os mergulhos rendem belas imagens, que ilustram cada um dos três livros de Nestor, cujos nomes são autoexplicativos. O primeiro é U-Boats, de 2010. O segundo é De Truk a Narvik, de 2015. E o terceiro, De Guadalcanal a Creta, de 2018. Os dois primeiros estão esgotados. Todos têm como subtítulo a frase Mergulhando na História, o que indica continuidade da coleção.
Segundo tenente da Reserva do Exército, Nestor mora num apartamento no bairro Cavalhada, em Porto Alegre. O local abriga uma espécie de museu particular, no qual estão guardadas maquetes de alguns navios e submarinos nos quais o gaúcho já mergulhou. Ele mesmo as construiu e estão identificadas com plaquinhas, nas quais se pode ler um pouco sobre a história de cada peça.
Entre as maquetes repousam algumas relíquias que Nestor trouxe das viagens além-mar. São pedaços de convés e de uniformes militares, por exemplo. Ele tem uma coleção de 50 capacetes. Entre eles, um japonês (trazido de Guadalcanal, no Pacífico, ilha que vivenciou uma das maiores batalhas da Segunda Guerra). E outro de um soldado alemão morto na Batalha de Stalingrado (Rússia), início da derrota alemã naquele mesmo confronto.
O gosto por coleções não é um acaso. Nos nove últimos anos de vida militar Nestor serviu no Museu do Comando Militar do Sul, em Porto Alegre. Ali os visitantes podem conhecer uma impressionante coleção de blindados e armamentos utilizados pelos brasileiros ao longo do século 20. É também submarinista honorário da Marinha do Brasil, título que conseguiu ao viajar com o submarino Tapajó. E é membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil.
E com essa bagagem toda, o que esperar dos próximos passos de Nestor? Mistério. Como não tem um mecenas a lhe patrocinar, o mergulhador precisa planejar custos com cuidado. São meses de preparativos e anos de economia para cada viagem maior. Ele bancou do próprio bolso os mergulhos e os livros.
Nestor tem ideia de um novo livro de memórias, a partir de relatos publicados nas redes sociais. Ainda não há planos de novas incursões pelos mares. Ou, se tem, estão a sete chaves. Coisas de aventureiro profissional.