Eduardo Leite deve estar com saudades de Nelson Marchezan. Não porque houvesse entre ambos sintonia pessoal e política, mas porque o ex-prefeito da Capital cumpria um papel que, agora, foi transferido para o governador: o papel de Geni.
Quem conhece a letra de Chico Buarque entende exatamente o que quero dizer. Enquanto Marchezan governava Porto Alegre, se transformou em alvo das pedras e dos xingamentos de um aguerrido e representativo grupo que, legitimamente, não concorda com as restrições à circulação de pessoas e à atividade comercial. Não de todos que criticam as medidas restritivas, mas, principalmente, dos setores mais ideológicos e articulados nas redes sociais.
Diferentemente de Sebastião Melo, que se elegeu prometendo “não fechar a cidade”, Marchezan comprou brigas importantes para implementar e tentar manter um plano que previa lojas trancadas boa parte do tempo e o maior número possível de pessoas em casa, pelo menos até que a contaminação fosse reduzida.
Mesmo que tenhamos evoluído na compreensão de que economia e saúde caminham juntas, ainda não descobrimos como, na prática, fazer funcionar. Enquanto outros países já começam a reabrir, por aqui, discutimos se devemos fechar. É dedo em riste pra cá, chute nas canelas para lá. O vírus ama a nossa desagregação.
Me chamem de Poliana, mas fico aqui imaginando se toda essa energia - governos, empresários, entidades, imprensa, trabalhadores, cidadãos - fosse usada para remar para um mesmo lado, mesmo que não fosse o lado ideal, mas que pelo menos nos afastasse do caos. Depois, quando incêndio estivesse apagado, a gente faria o acerto de contas sobre quem tem razão, que sabia antes, que avisou. Tem países que conseguiram, apesar das naturais e saudáveis divisões internas.
Por aqui, quando Marchezan saiu, a indignação e fúria, compreensíveis diante das avassaladoras dificuldades desses tempos, ficaram órfãs de um alvo. Foi só trocar as fotos dos memes e o nome estampado nas acusações, com as tradicionais derivações debochadas, que começam em “Dudu Milk” e terminam nas escaldantes chamas do inferno. Sai Marchezan, entre Leite. Com a mesma contundência. Uma baita solução caseira. Já que o vírus, o problema real, não leva desaforo para casa - leva para a UTI, desde que haja leitos. E Brasília fica longe demais do sul do mundo.