O mês de setembro já acabou, mas o esforço pela prevenção do suicídio não pode parar. Na Capital para um encontro da Academia Nacional de Medicina – da qual é vice-presidente – com a regional Sul-Rio-Grandense, o psiquiatra Antonio Egídio Nardi, uma das maiores autoridades brasileiras no assunto, falou à coluna sobre a relação entre transtornos mentais e suicídio: "Para a psiquiatria, todos os suicídios estão associados a transtornos mentais", destaca.
Professor da UFRJ e coordenador do Laboratório de Pânico e Respiração da universidade, Nardi elenca os transtornos que mais levam alguém a tirar a própria vida: depressão, alcoolismo, transtorno bipolar e esquizofrenia.
"Campanhas de prevenção são úteis para que o indivíduo que pensa em se matar entenda que isto é um sintoma de uma doença mental e que ele deve procurar ajuda especializada", ensina.
Leia abaixo a entrevista completa:
Quais são os transtornos mentais que mais atingem a população brasileira?
Os transtornos mentais, de uma forma geral, são muito frequentes na população. Estudos brasileiros recentes apontam que os mais encontrados na população são os transtornos de ansiedade, como pânico, fobias e ansiedade generalizada (em torno de 25% da população) e o abuso e a dependência de drogas, principalmente o alcoolismo (em torno de 12% da população). Logo em seguida, são os transtornos de humor, como a depressão (em torno de 8%). Alguns transtornos, como a esquizofrenia e o transtorno bipolar, atingem taxas em torno de 1%, mas são doenças graves, comprometem a qualidade de vida do indivíduo e requerem tratamento por toda a vida. Estas taxas são muito semelhantes às de outros países, indicando que os fatores que resultam nos transtornos mentais devem ser universais, como os fatores genéticos e os estressores psicossociais. O que diferencia um país de outro é a facilidade ou não de acesso ao diagnóstico e tratamento.
Existe uma relação direta entre o estresse e os transtornos mentais?
Sim. O estresse coloca o organismo e, em particular, o sistema nervoso, em uma situação vulnerável. Esta vulnerabilidade provocada pelo estresse, associada a uma carga genética determinada pode levar o indivíduo a inúmeras doenças, inclusive aos transtornos mentais. Em particular dois modelos de estresse psicossocial têm sido muito associado ao desencadeamento de transtorno mental: violência na infância e desemprego por longo período.
Em particular dois modelos de estresse psicossocial têm sido muito associado ao desencadeamento de transtorno mental: violência na infância e desemprego por longo período.
O senhor coordena o Laboratório de Pânico e Respiração da UFRJ. Qual a relação entre a respiração e os transtornos mentais?
A respiração é muito associada aos transtornos de ansiedade, em especial ao transtorno de pânico. Alterações respiratórias podem provocar ataques de pânico, podem surgir durante um ataque de pânico, ou podem ainda dificultar o diagnóstico e tratamento do transtorno de pânico. Existem alguns testes respiratórios que estão sendo pesquisados e que talvez possam ajudar no futuro o diagnóstico de alguns subtipos de transtorno de pânico.
A distimia, tema de um de seus livros, é comumente confundida com mau humor, assim como a depressão é confundida com tristeza. Como diferenciar depressão de distimia e um problema "comum" de uma doença mental?
De uma forma breve, a distimia é um transtorno de humor crônico, caracterizado por mau humor, irritação, baixa auto-estima, isolamento, falta de prazer na maioria das atividades do cotidiano, entre outros sintomas. É um transtorno que pode acompanhar uma pessoa por muitos anos, até a vida toda. Às vezes, é difícil diferenciar a personalidade dos sintomas da distimia.
Já a depressão tem um início marcado. Sabemos quando a pessoa começou a ficar com os sintomas de humor triste, alteração do sono, cansaço constante, diminuição da libido, da capacidade de concentração, pensamentos pessimistas, entre outros sintomas.
Caso uma pessoa esteja sofrendo, ela deve procurar um especialista para uma avaliação. Não se deve tentar fazer o diagnóstico pelo Google ou se automedicar.
O "problema comum", como por exemplo uma reação de luto, todos nós temos em algum momento. Todo mundo tem problemas. Alguns períodos mais graves, outros mais brandos. Os problemas não comprometem nossa maneira de julgar as situações, fazem parte de nosso processo de desenvolvimento psicológico, aprendemos com os problemas, e mesmo quando temos algum sintoma no período em que estamos atravessando uma fase difícil, como por exemplo, insônia, ele é passageiro e desaparece com a solução do problema.
Só um psiquiatra pode fazer o diagnóstico de um transtorno mental e sua diferenciação de outros quadros semelhantes. Caso uma pessoa esteja sofrendo, ela deve procurar um especialista para uma avaliação. Não se deve tentar fazer o diagnóstico pelo Google ou se automedicar.
Quais são os transtornos que mais levam ao suicídio?
A presença de transtornos mentais aumenta o risco de suicídio. Para a psiquiatria, todos os suicídios estão associados a transtornos mentais. Os que mais aumentam este risco são a depressão, o alcoolismo, o transtorno bipolar e a esquizofrenia.
Existe o mito de que quem ameaça se matar não o faz e que quem de fato pretende tirar a própria vida não fala sobre isso. As pessoas dão sinais de que estão prestes a cometer suicídio?
Existem vários mitos sobre o suicídio. Sim, a pessoa que está pensando em suicídio, em geral, pede ajuda de diferentes maneiras. Quem pensa ou ameaça se matar, tem grande chance de fazê-lo. A maioria dos suicídios ocorrem após a quarta ou quinta tentativa. É raro alguém se matar na primeira tentativa. E toda tentativa deve ser encarada seriamente, porque demonstra sofrimento e aumenta o risco de uma nova tentativa.
Um dos sinais que pode chamar a nossa atenção quanto ao risco de suicídio é a pessoa organizar a vida para se matar. Por exemplo, a pessoa começa a se despedir de entes queridos, a doar objetos e bens de valor afetivo.
Em geral, o suicídio é um ato impulsivo? Ou, na maior parte das vezes, a pessoa planeja tudo com antecedência?
A depressão grave aumenta muito o risco de suicídio. As duas situações podem ocorrer. Em geral, a pessoa com depressão grave planeja e organiza o suicídio.
Já pessoas com esquizofrenia, alcoolismo e transtorno de personalidade tendem a ser mais impulsivas. Um dos sinais que pode chamar a nossa atenção quanto ao risco de suicídio é a pessoa organizar a vida para se matar. Por exemplo, a pessoa começa a se despedir de entes queridos, doar objetos e bens de valor afetivo.
Existe uma forma de evitar que alguém coloque fim à própria vida? Como ajudar?
A prevenção do suicídio é o objetivo ao lidarmos com o risco de suicídio. A melhor maneira de preveni-lo é falar sobre o suicídio. Falando, informando e abrindo possibilidade de tratamento do transtorno mental diminuímos preconceitos, mitos e a ausência de tratamento. Campanhas de prevenção ao suicídio são úteis para que o indivíduo que pensa em se matar entenda que isto é um sintoma de uma doença mental e que ele deve procurar ajuda especializada. Só a informação de fonte técnica e segura pode diminuir este grave problema social.