Eu tinha sete ou oito anos. Talvez um pouco mais. Estava no quarto, olhando em volta, entediado. Avistei os dois buracos da tomada. Sobre a mesa, jazia um daqueles cadernos com espiral metálica. Olhei para um lado, olhei pra outro. E comecei a executar meu plano. Retirei todas as folhas da espiral, estiquei o arame, dobrei-o em forma de ferradura estreita. Mirei. E enfiei as duas pontas na tomada. O resto nem preciso contar.
Uma queimadura na mão, um curto-circuito na energia da casa. E uma incrível sensação de tranquilidade. Só me lembro do meu pai chegando, esbaforido. Nem me deu bronca. Estava apenas assustado. Ou me deu bronca e eu, de tão relax, nem notei. Pelo sim, pelo não, meus pais optaram, acertadamente, por cadernos sem espiral no começo do ano letivo seguinte.
Nessa mesma época, na praia, depois do almoço, meus pais dormindo e o sol lá fora. Tive outra ideia do mesmo naipe. Tudo nasceu da curiosidade. Peguei uma caixa de fósforos e escapuli para um terreno baldio do outro lado da rua. Risquei o palito, me agachei e fiquei olhando o círculo de labaredas se formar. Qual era a velocidade do fogo? Como ele se alastrava? O que aconteceria? Maldita mania de fazer perguntas.
Não demorou para me dar conta de que algo ali fugira do controle. Voltei apavorado pra casa, enchi um balde com água e voltei ofegante ao campinho. Tarde demais. Empurrado pelo vento, o fogo alcançara dimensões incontroláveis. Fiquei tão assustado, que peguei minha bicicleta e saí pedalando nem sei pra onde. Nessa época, não tinha telefone e muito menos internet na praia. Na minha cabeça, eu chegaria ao quartel dos bombeiros. No caminho, vi o caminhão passar por mim em direção à fumaça que já tomava o horizonte.
Felizmente, o incêndio não teve maiores consequências. Me sinto culpado pelas plantas e pelos insetos e pelos sapos e lagartos. Mas, alguns meses depois, a vegetação estava recuperada. Eu era uma criança, ok. Crianças são curiosas e não conseguem medir bem as consequências de seus atos. Mesmo assim, me sinto mal até hoje. Como eu fui fazer aquilo? E, antes que alguém aponte o dedo na direção errada, sempre tive pais presentes e atentos, que confiaram em mim e me deram segurança para tomar minhas próprias decisões. Não posso criticá-los por dormir depois do almoço nas férias, numa época em que a gente andava solto na praia, porque os maiores perigos eram o sol forte, os escorpiões e as cobras dos terrenos baldios, que nem existem mais.
Domingo tem eleição. Uma decisão mal pensada pode ter consequências graves. Dizem que Deus protege as crianças. Mas, no caso do voto, já somos todos adultos o suficiente para não provocar curtos-circuitos ou incêndios.
Domingo
-Já decidi em quem votar para vereador. Mas se encontrar santinhos dele emporcalhando a cidade, juro que mudo de candidato. Na hora.
-Estou preparado para ouvir de novo. Antes da eleição: eu farei. Depois: eles não deixaram.
-Errei. Achei que não haveria dinheiro nesta eleição. Há menos do que nas outras, mas ainda há muito.
-Domingo, pelas 20h, começa a corrida pelos apoios no segundo turno.
Mediador
Elói Zorzetto foi impecável na condução do debate da RBS TV entre os candidatos a prefeito de Porto Alegre.
Jogo de cena
Vi emocionado pela CNN o aperto de mãos entre os que tantas vezes se comportaram como inimigos. Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, e Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel. Foi no enterro de Shimon Peres. Vi emocionado e depois fiquei pensando em como tudo aquilo era estranho.
Quando se trata de Oriente Médio, mais uma vez, me vejo ingênuo demais para entender.
Foi a morte que patrocinou o gesto tão simples, a caminhada dessa distância tão curta entre Ramallah e Jerusalém.
E, se eles apertaram as mãos, poderiam sentar para conversar. Se poderiam sentar para conversar, poderiam ceder. E, se cada um ouvisse o outro e cedesse, cessariam as bombas e o sofrimento.
Hoje tudo volta ao normal.
Cada um defendendo a paz. Desde que seja do seu jeito. Porque a paz do outro é o combustível da guerra.
Até que a próxima morte inspire uma pequena pausa. Uma pequena esperança. Esse alívio que, na verdade, já passou.