Lá pelas tantas, comecei a torcer pelo Irã. Tomei muito sol na cabeça, mas não foi por isso. Perdão pelo trocadilho: o pior técnico é aquele que não quer ver. Ricardinho é o melhor jogador de futebol de 5 do planeta. Um fenômeno. O Guri de Osório gruda a bola no pé e não desgruda mais. É como se enxergasse. Mas é cego.
Aí, eu pego um avião em Porto Alegre e venho ao Rio para ver o Ricardinho. Adivinha. O técnico deixou o Ricardinho no banco. Atenuantes: o craque andou lesionado e o Brasil já estava classificado. Azar. Eu queria ver o Ricardinho.
Todos que suávamos sob o sol matinal de 30°C na Barra da Tijuca. Numa das paradas técnicas, um torcedor mais exaltado levantou e berrou: "Põe o Ricardinho!". Concordei, com a cabeça.
É por isso que comecei a torcer pelo Irã. Porque, se tomássemos um gol, não haveria aiatolá capaz de impedir a entrada do meu ídolo.
Quando faltavam míseros nove minutos para terminar, ele entrou. A torcida, em coro, gritou seu nome. Ricardinho quase fez um gol, deu passes perfeitos, driblou, abalou. Mas não saímos do 0 a 0. Mais tarde, fui me encontrar com ele na Vila Paraolímpica. "Foi uma opção do treinador, já que eu estou me recuperando." Ricardinho é pura simpatia e tem a elegância dos fora de série ao falar.
De volta ao Centro Paraolímpico, os iranianos entraram em campo, nitidamente, para catimbar. Fizeram cera, truncaram a partida. O número 10 saiu três vezes carregado na maca. O treinador persa fez mais de 20 substituições. E a torcida brasileira aplaudia tudo. Tipo: "Vamos ser gentis porque eles são pessoas com deficiência...".
Não precisava vaiar, mas bater palmas para simulação de lesão me pareceu uma demasia. Paternalismo excessivo. Quase um preconceito ao contrário.
Ali estavam atletas de alto nível. Dava pra ter metido mais pressão.
Tanto o negócio era sério, que, ainda no primeiro tempo, o técnico iraniano deu uma bronca fenomenal no seu número 9, que tinha tudo pra chutar a gol e não chutou. Surtou, tipo treinador soviético da década de 70. O homem se batia, berrava. Não preciso entender farsi pra reconhecer um piti.
Isso que havia um narrador pedindo silêncio de tempos em tempos. Os jogadores se orientam por um guizo preso na bola e pelas falas uns dos outros. Tem também o chamador, que fica atrás do gol do adversário passando instruções. A torcida só deveria se manifestar nos gols e nas paradas técnicas. Senão, atrapalha. Mas estamos no Brasil. Impossível segurar um "uuuuuuu" e um “óóóó” de vez em quando. Além do mais, uma interjeiçãozinha eventual não faz mal a ninguém.
No fim, 0 a 0 foi bom para os dois. Brasil em primeiro no grupo e Irã classificado.
Eu nunca tinha visto antes, ao vivo, um jogo de futebol de cegos. Uma das grandes diferenças é que não há reclamações ao juiz. Nada de peitaços ou de "pô, professor". Os jogadores não enxergam. O homem de preto disse, tá dito. Para a alegria de sua genitora. Confesso que senti um pouco de falta daquele clima de Libertadores. Mas foi lindo.
Olhando o Ricardinho driblar uma fila de iranianos, lembrei de Darwin. Não são os mais fortes que prosperam. São os que têm maior capacidade de adaptação.
Com esse olhar, a Paraolimpíada é uma oportunidade de ouro para se aprender muito mais sobre nós, os humanos.
Interesse
A quadra tem dimensões parecidas com as do futsal. Ontem, a arena do futebol de 5 estava com cerca de 75% da sua capacidade ocupada. No olho, umas 4 mil pessoas.E era só a fase de classificação.
Sem máfia
A indústria de próteses movimenta bilhões de dólares por ano no mundo. As Paraolimpíadas são uma oportunidade para lançar e testar produtos que ajudarão milhões de pessoas no futuro.
Chave de fenda
Além de treinador e de médico, as equipes de basquete em cadeiras de rodas têm também um mecânico de prontidão.As trombadas são inevitáveis. E as avarias nos equipamentos também.
Filhos de Deus
Oito da manhã no Centro Paraolímpico. A temperatura já batia nos 27°C. Sol. Vi segurança reforçada na porta do mercadinho. Fui até lá. Entendi tudo. O ar-condicionado ligado no lado de dentro dava um refresco aos homens da Força Nacional.
Barbadinhas
A megaloja de suvenires do Centro Paraolímpico já começou a sua liquidação. Alguns produtos estão com 50% de desconto.
Bom sinal
Fui assistir ao tênis em cadeira de rodas. Duplas femininas, Holanda contra Grã-Bretanha. Na plateia, 90% das pessoas não eram paratletas nem tinham deficiência.